Contos são sempre uma questão, não? Quando me pergunto o mesmo, penso logo no teu livro, em Redemoinho em dia quente, da Jarid, nos livros de contos de "horror latino americano" como Rinha de Galos e As coisas que perdemos no fogo, todos livros de sucesso. Ou mesmo em Sérgio Sant'Anna e Rubem Fonseca. Como leitor, gosto muito de contos, retratos breves de mundos complexos e infinitudes de possibilidades. Mas de fato nos últimos anos quando os apresentei para profissionais do mercado literário a resposta foi a que você já comentou, sem grandes surpresas: legal, mas quando vem o novo romance?
Aproveitando para esticar para outra seara: você comentou que um romance, além de tudo, têm mais chance de ser publicado no exterior. Fico pensando então nas chances de adaptação para o audiovisual. Até pouco tempo as produtoras que miravam serviços como Netflix no Brasil preferiam romances que pudessem gerar mais de uma temporada. "Para valer o investimento". Ou seja, dentro da própria categoria romance já havia hierarquização. Diferente do mercado gringo que faz isso com mais frequência, não se interessavam em produzir uma série "limited series". Me pergunto onde entrariam os livros de contos nessa equação.
Olha, ano passado vendi os direitos de adaptação do Gótico Nordestino para uma produtora. Desde então, e já faz um ano isso, tenho me envolvido em possíveis projetos. O que posso te dizer é que mini-séries não têm muito interesse mesmo. Assim como séries de antologia tipo Black Mirror. Do meu livro o que nasceu foram tentativas de expansão de algum conto do livro, como se o conto fosse um proto-romance. O conto sendo base ou de ideias de longa-metragem, ou de ideias de série. Mas, por outro lado, e esse universo é novo pra mim e você sabe bem mais do que eu, senti que é um mercado temperamental, que muda de ideia o tempo todo em relação a tendências do que pode ou não emplacar.
"Às vezes, fico me perguntando se não somos uma literatura mais de contos, do que de romances…? No sentido da alta qualidade e regularidade desta produção?" - acho que podemos estender essa questão para boa parte da literatura latino-americana.
("um Determinado Evento, mediado por uma Determinada Pessoa" - nomes na minha mesa até a hora do almoço, por favor).
Tenho pensado nas possibilidades do conto. Comparando com o romance, o conto oferece muito mais possibilidade artística. É mais (sei lá) indomável. Tem maior capacidade de subverter regras e temas. Leio romances e contos em igual quantidade. Mas, sim, considero o romance mais conservador. Algumas teorias corroboram com essa minha crença. A discussão é interessante. Vale levar para a frente.
Olha, eu acho que dá pra fazer romances bem experimentais também, não acha? Fiquei curioso com as teorias que te embasam, me conta mais depois. Vamos trocar figurinhas teóricas, Irka!
Claro. Super topo. Eu tenho umas opiniões polêmicas, rsrsrsrs. No fim, escrevi uma espécie de ensaio sobre. Mas ainda tô refletindo sobre o assunto. Bj.
Sem dúvida, pensando em "mercado", o conto é esquecido. Nos últimos tempos, até mesmo alguns prêmios literários de prestígio esqueceram do gênero. O que é engraçado, porque me parece que em outros países da América Latina a tradição do conto e o espaço que ele tem estão bem fortes, vide a quantidade de lançamentos de obras de narrativas curtas traduzidas aqui por pequenas editoras, livros premiados e muito bem recebidos pela crítica fora do Brasil.
Outro ponto que sempre levanto a questão é a frase "escrever um conto é mais difícil"; pode até ser, mas acredito que tanto um bom conto quanto um bom romance são difíceis de se escrever. O que acontece é que, para os escritores que não passaram por um bom processo de formação como leitor, a ideia de que escrever um romance é mais fácil foi meio que "internalizada", e o resultado é um mar de romances ruins. Isso acontece porque tem muita gente que escreve muito, que consegue sentar por algumas semanas em frente ao computador e produzir 100, 200 páginas. O romance incentiva esse excesso de escrita descontrolado; o conto não, o conto é inimigo do excesso de palavras e ideias. Mas seguimos, eu escrevo contos e poemas desde 2011, e todas as minhas tentativas de escrever um romance fracassaram, justamente por essa preocupação com a escrita. Eu não quero escrever um romance que é só uma história grande; quero escrever uma grande história, e isso não é fácil. Rsrs
Como recomendação, deixo aqui algumas sugestões, primeiro coisas novas:
Os livros de contos da editora Caos & Letras, o catálogo deles é bem consistente. E das latino-americanas contemporâneas: María Fernanda Ampuero, Giovanna Rivero e Camila Sosa.
E agora três autores pilares pro conto brasileiro "moderno": Sérgio Sant'anna, Dalton Trevisan e Rubem Figueiredo. Esses caras eu releio sempre, assim como as três lendas que você citou na postagem.
Ótimas perspectivas, Felipe. Concordo com elas. No caso das contistas que você citou, eu só não li ainda os contos de Camila Sosa Villada. No caso dos três brasileiros, hoje já não os leio com tanto apreço como antes e gosto mais de Rubem Fonseca, que incluiria entre os possíveis pilares do conto contemporâneo. Mas é sempre um debate instigante, este.
Fico sempre chocada com a preferência por romances... Eu amo contos, prefiro mil vezes ler contos, a maioria do que leio é conto. Fico feliz quando edito contos... :/
Massa Eloah, acho que todas as editoras e editores com os quais já conversei amam contos e inclusive gostam muito de trabalhar neles, como é o teu caso. Mas também entendo o quanto pode ser difícil abrir mão de romances em termos comerciais, não é? Mas é uma alegria ler também o depoimento de uma editora a respeito disso.
sou apaixonada pelos contos da Lygia Fagundes Telles <3
recentemente tive a oportunidade de colaborar numa oficina de escrita sobre contos, e foi muito, muito legal! conheci um pouco da obra do Piglia, o que trouxe outras perspectivas do conto.
nos meus planejamentos de aula (faço pedagogia) sempre que posso estou usando os contos como ponto de partida.
aprendi a apreciar fortemente isso do conto em não ter um final fechado. sinto que os debates abrem mais possibilidades de exploração. adorei sua newsletter <3
Eu amo contos, e acho que isso vem justamente da formação. No meu caso não foi nas escolas, hahahaa. Quando comecei a ser blogueira, recebia muitos livros de contos da Não Editora ou da Dublinense, as oficinas do Assis Brasil lá em POA movimentaram muito lá pelos 2010 a produção de contos hehe. Fui lendo e adorando. E o que muita gente não percebe, acredito, é como é difícil escrever uma história curta que cause o mesmo impacto que um romance, e os bons contistas fazem isso (o próprio Saunders, por exemplo, que é dos meus autores favoritos hehe). E é doido como, na literatura, o pessoal diz não conseguir se envolver com uma história curta, mas consome diversos conteúdos breves em outros formatos.
Caí neste texto através de indicação da Taize Odeli, li o texto e assinei a newsletter. Muito bom!
Tenho lido muitos livros de contos ultimamente, porque sou um escritor iniciante, e achei melhor explorar um pouco mais a fundo esse universo para aprender escrevendo textos curtos e interessantes. Desde o ano passado, tenho lido os Contos Completos do Júlio Cortázar, e tem sido bem divertido conhecer as possibilidades do texto curto que o Cortázar nos apresentou com suas narrativas.
Além disso, estou lendo um livro de contos do Sérgio Sant'anna (O Monstro) e recentemente li o primeiro livro do Bernardo Carvalho, chamado "Aberração", de 1993. Estou interessado em ir a fundo nos contos de ficção científica do Philip K. Dick, dos policiais de Dashiell Hammett e das histórias de horror de Edgar Allan Poe. Muita coisa ainda por vir...
Acabo de ler o seu ensaio sobre o conto de Borges, oq me trouxe aqui. Tinha vontade de ler mas achava q seria mto difícil! Agr não perco mais essa leitura
Contos são sempre uma questão, não? Quando me pergunto o mesmo, penso logo no teu livro, em Redemoinho em dia quente, da Jarid, nos livros de contos de "horror latino americano" como Rinha de Galos e As coisas que perdemos no fogo, todos livros de sucesso. Ou mesmo em Sérgio Sant'Anna e Rubem Fonseca. Como leitor, gosto muito de contos, retratos breves de mundos complexos e infinitudes de possibilidades. Mas de fato nos últimos anos quando os apresentei para profissionais do mercado literário a resposta foi a que você já comentou, sem grandes surpresas: legal, mas quando vem o novo romance?
Sim, é bem importante ler que a tua experiência converge com a minha, que converge com a de muitos outros autores e autoras...
Aproveitando para esticar para outra seara: você comentou que um romance, além de tudo, têm mais chance de ser publicado no exterior. Fico pensando então nas chances de adaptação para o audiovisual. Até pouco tempo as produtoras que miravam serviços como Netflix no Brasil preferiam romances que pudessem gerar mais de uma temporada. "Para valer o investimento". Ou seja, dentro da própria categoria romance já havia hierarquização. Diferente do mercado gringo que faz isso com mais frequência, não se interessavam em produzir uma série "limited series". Me pergunto onde entrariam os livros de contos nessa equação.
o/
Olha, ano passado vendi os direitos de adaptação do Gótico Nordestino para uma produtora. Desde então, e já faz um ano isso, tenho me envolvido em possíveis projetos. O que posso te dizer é que mini-séries não têm muito interesse mesmo. Assim como séries de antologia tipo Black Mirror. Do meu livro o que nasceu foram tentativas de expansão de algum conto do livro, como se o conto fosse um proto-romance. O conto sendo base ou de ideias de longa-metragem, ou de ideias de série. Mas, por outro lado, e esse universo é novo pra mim e você sabe bem mais do que eu, senti que é um mercado temperamental, que muda de ideia o tempo todo em relação a tendências do que pode ou não emplacar.
"Às vezes, fico me perguntando se não somos uma literatura mais de contos, do que de romances…? No sentido da alta qualidade e regularidade desta produção?" - acho que podemos estender essa questão para boa parte da literatura latino-americana.
("um Determinado Evento, mediado por uma Determinada Pessoa" - nomes na minha mesa até a hora do almoço, por favor).
Falar-te-ei no zap, rs
Aguardo, Cris Temer.
Amo ler contos, são dificílimos de escrever, admiro mesmo quem os domine. Formas curtas são pros fortes.
Nos meus favoritos, Joyce e Mansfield no modernismo inglês, Ted Chiang na ficção científica, e a já citada Enriquez.
Traduzi um premiado, da mexicana Gabriela Damián Miravete, “Sonharão no jardim”, disponível gratuitamente na Aves Migratórias 3.
E no “Erva brava”, da Paulliny Tort, há uns excelentes.
Mansfield é uma das minhas maiores influências recentes, assim como Chiang e Enriquez. O Erva Brava é sim um belo livro!
Tenho pensado nas possibilidades do conto. Comparando com o romance, o conto oferece muito mais possibilidade artística. É mais (sei lá) indomável. Tem maior capacidade de subverter regras e temas. Leio romances e contos em igual quantidade. Mas, sim, considero o romance mais conservador. Algumas teorias corroboram com essa minha crença. A discussão é interessante. Vale levar para a frente.
Olha, eu acho que dá pra fazer romances bem experimentais também, não acha? Fiquei curioso com as teorias que te embasam, me conta mais depois. Vamos trocar figurinhas teóricas, Irka!
Claro. Super topo. Eu tenho umas opiniões polêmicas, rsrsrsrs. No fim, escrevi uma espécie de ensaio sobre. Mas ainda tô refletindo sobre o assunto. Bj.
Romance, mais conservador? Com a quantidade de romances nada convencionais por aí! Me parece que o conto que é bem mais rígido.
Sem dúvida, pensando em "mercado", o conto é esquecido. Nos últimos tempos, até mesmo alguns prêmios literários de prestígio esqueceram do gênero. O que é engraçado, porque me parece que em outros países da América Latina a tradição do conto e o espaço que ele tem estão bem fortes, vide a quantidade de lançamentos de obras de narrativas curtas traduzidas aqui por pequenas editoras, livros premiados e muito bem recebidos pela crítica fora do Brasil.
Outro ponto que sempre levanto a questão é a frase "escrever um conto é mais difícil"; pode até ser, mas acredito que tanto um bom conto quanto um bom romance são difíceis de se escrever. O que acontece é que, para os escritores que não passaram por um bom processo de formação como leitor, a ideia de que escrever um romance é mais fácil foi meio que "internalizada", e o resultado é um mar de romances ruins. Isso acontece porque tem muita gente que escreve muito, que consegue sentar por algumas semanas em frente ao computador e produzir 100, 200 páginas. O romance incentiva esse excesso de escrita descontrolado; o conto não, o conto é inimigo do excesso de palavras e ideias. Mas seguimos, eu escrevo contos e poemas desde 2011, e todas as minhas tentativas de escrever um romance fracassaram, justamente por essa preocupação com a escrita. Eu não quero escrever um romance que é só uma história grande; quero escrever uma grande história, e isso não é fácil. Rsrs
Como recomendação, deixo aqui algumas sugestões, primeiro coisas novas:
Os livros de contos da editora Caos & Letras, o catálogo deles é bem consistente. E das latino-americanas contemporâneas: María Fernanda Ampuero, Giovanna Rivero e Camila Sosa.
E agora três autores pilares pro conto brasileiro "moderno": Sérgio Sant'anna, Dalton Trevisan e Rubem Figueiredo. Esses caras eu releio sempre, assim como as três lendas que você citou na postagem.
Abraço, Cristhiano!
Ótimas perspectivas, Felipe. Concordo com elas. No caso das contistas que você citou, eu só não li ainda os contos de Camila Sosa Villada. No caso dos três brasileiros, hoje já não os leio com tanto apreço como antes e gosto mais de Rubem Fonseca, que incluiria entre os possíveis pilares do conto contemporâneo. Mas é sempre um debate instigante, este.
Fico sempre chocada com a preferência por romances... Eu amo contos, prefiro mil vezes ler contos, a maioria do que leio é conto. Fico feliz quando edito contos... :/
Massa Eloah, acho que todas as editoras e editores com os quais já conversei amam contos e inclusive gostam muito de trabalhar neles, como é o teu caso. Mas também entendo o quanto pode ser difícil abrir mão de romances em termos comerciais, não é? Mas é uma alegria ler também o depoimento de uma editora a respeito disso.
Quero ler o recém traduzido, mas de 2009, da Mariana Enriquez, e depois, talvez, reler o As coisas que perdemos...
Li até metade do livro recém-lançado e gostei muito. Acho tão bom quanto o As coisas que perdemos...
sou apaixonada pelos contos da Lygia Fagundes Telles <3
recentemente tive a oportunidade de colaborar numa oficina de escrita sobre contos, e foi muito, muito legal! conheci um pouco da obra do Piglia, o que trouxe outras perspectivas do conto.
nos meus planejamentos de aula (faço pedagogia) sempre que posso estou usando os contos como ponto de partida.
aprendi a apreciar fortemente isso do conto em não ter um final fechado. sinto que os debates abrem mais possibilidades de exploração. adorei sua newsletter <3
Giovana, que bacana saber que os contos estão na preparação das suas aulas. E obrigado pela leitura!
Eu amo contos, e acho que isso vem justamente da formação. No meu caso não foi nas escolas, hahahaa. Quando comecei a ser blogueira, recebia muitos livros de contos da Não Editora ou da Dublinense, as oficinas do Assis Brasil lá em POA movimentaram muito lá pelos 2010 a produção de contos hehe. Fui lendo e adorando. E o que muita gente não percebe, acredito, é como é difícil escrever uma história curta que cause o mesmo impacto que um romance, e os bons contistas fazem isso (o próprio Saunders, por exemplo, que é dos meus autores favoritos hehe). E é doido como, na literatura, o pessoal diz não conseguir se envolver com uma história curta, mas consome diversos conteúdos breves em outros formatos.
Adorei a news ❤️
Taize, bem interessante mesmo você falar isso do consumo de outros formatos curtos, em outras mídias né? Sabe que não tinha pensado nisso?
Pois é, um filme nada mais é do que um conto do audiovisual rs
Caí neste texto através de indicação da Taize Odeli, li o texto e assinei a newsletter. Muito bom!
Tenho lido muitos livros de contos ultimamente, porque sou um escritor iniciante, e achei melhor explorar um pouco mais a fundo esse universo para aprender escrevendo textos curtos e interessantes. Desde o ano passado, tenho lido os Contos Completos do Júlio Cortázar, e tem sido bem divertido conhecer as possibilidades do texto curto que o Cortázar nos apresentou com suas narrativas.
Além disso, estou lendo um livro de contos do Sérgio Sant'anna (O Monstro) e recentemente li o primeiro livro do Bernardo Carvalho, chamado "Aberração", de 1993. Estou interessado em ir a fundo nos contos de ficção científica do Philip K. Dick, dos policiais de Dashiell Hammett e das histórias de horror de Edgar Allan Poe. Muita coisa ainda por vir...
Novamente: ótimo texto, Cristhiano. Abraço!
Baita livros! Obrigado pela leitura, Gabriel!
Acabo de ler o seu ensaio sobre o conto de Borges, oq me trouxe aqui. Tinha vontade de ler mas achava q seria mto difícil! Agr não perco mais essa leitura