Nonada
Estou de volta a São Paulo, mas ainda tenho uma ou outra ideia para escrever sobre Los Angeles. Cheguei meio em “segredo” e me comunicando só com as pessoas que estão bem pertinho, assim como com minha família. Houve algo como um impacto da mudança de LA para SP, uma súbita descompressão existencial que não senti quando voltei de Princeton ano passado.
O que me aconteceu? Uma deriva para o vazio, um banzo. Senti um impacto, ao entrar na minha casa, que não vivi da mesma maneira ano passado. Outra vez, não me entendo. Vivo projetando nos outros uma solidez que não tenho, uma racionalidade apreensível. Ou seja: no Outro tudo deve fazer sentido, já que em mim, nem sempre faz. Mas sabemos que não é assim, não é? Estamos todos no mesmo barco no oceano profundo.
Esta semana, comemorei os 70 anos do meu pai. Uma idade muito bonita, simbólica, e fico feliz de ter me organizado para pode estar com ele esses dias. No final de semana entre os dias 11/10-13/10, passarei o feriado em uma vinícola no Rio Grande do Sul com meu pai, portanto quem me segue no Instagram se prepare para animadas taças de vinho nos stories.
Han Kang
Na quinta-feira, 10/10, saiu o resultado do Nobel de Literatura de 2024.
Para a surpresa de todo o mundo editorial, a escolhida foi a sul-coreana Han Kang, cujo romance mais conhecido, A vegetariana, eu li em 2021. A surpresa veio não porque ela seja desconhecida. Pelo contrário, a sul-coreana é hoje uma das autoras contemporâneas que fazem parte do palco global do mundo literário. Seu trabalho tem tradução em dezenas de línguas e ela com frequência participa da programação dos principais festivais literários do mundo.
Kang, no entanto, é jovem para o prêmio - 53 anos - e também tem uma obra relativamente curta publicada em livro. Por fim, ela estava totalmente fora do radar dos bolões e listas de apostas que circundam o anúncio anual do prêmio literário. Eu gostei demais do anúncio, embora eu não tenha me empolgado tanto com A vegetariana. Porém, embora não tenha me capturado, consigo reconhecer no livro uma autora original na sua leitura de mundo e na feitura da sua linguagem artística.
Sobre A vegetariana, em 2021 escrevi no meu Instagram o seguinte:
Poucos romances contemporâneos me impactaram tanto quanto as páginas iniciais deste instigante livro escrito pela sul-coreana Han Kang e publicado pela @todavialivros. Ao comentário social - a sátira das hipocrisias e mediocridades da classe média de seu país- se junta um clima onírico, surrealista, tudo envolvido em uma eterna sugestão de tensão e violência. A partir de um sonho perturbador, a protagonista Yeonghye passa a recusar, sem concessões, o consumo de carne. Sua recusa desencadeia uma série de reações em sua família e esta é a base para o delírio e a crítica social no romance. Sem lançar mão do sobrenatural, Kang flerta com a imaginação fantástica ao se aproximar das fronteiras do vampirismo, do canibalismo e da metamorfose. Ao ser dividido em três partes quase autônomas, o livro apresenta uma estrutura interessante, já que em todas elas a protagonista se dá a conhecer pelo olhar e incompreensões de sua família. Acho, porém, que A vegetariana cai consideravelmente em sua terceira parte. Se a primeira parte é marcada pelo terror e a segunda pelo erotismo, a terceira fecha o livro em um tom tocante, porém convencional em suas representações de um corpo sitiado e doente.
Se vocês quiserem saber como foi assistir Han Kang ao vivo em NYC, ano passado, deixo aqui o link do que escrevi:
https://cristhianoaguiar.substack.com/p/linguagem-guilhotina-13-o-festival
Tamy, do LiteraTamy, fez uma ótima leitura, anos atrás, do Vegetariana. Basta assistir aqui:
Vale a pena também ler o que Rodrigo Casarin, do
, escreveu sobre a autora: https://www.uol.com.br/splash/colunas/pagina-cinco/2024/10/10/nobel-de-literatura-han-kang-coreia-do-sul-a-vegetariana.htm. Flip
Entre os dias 09/10-13/10, está acontecendo (escrevo este texto com a Flip na metade da sua programação) o mais importante evento literário do país, a Flip. Na verdade, parte considerável dos leitores desta newsletter deve inclusive estar por lá! Eu gosto demais da Flip, do que rola em paralelo na Flip, do que acontece antes e depois dela. Este ano, pulei Paraty, mas em 2025, com um ou dois livros novos, vou participar dela com certeza.
Desde quarta-feira, observo com atenção as fotos dos amigos e amigas que lá estão. E sempre tenho perguntado como estão as coisas pela festa. Me parece que está todo mundo curtindo e se divertindo, o que me deixa bem feliz. Fiquei curioso em sentir como será que está Paraty sem a sua maior programação paralela, a Flipei.
Foi na Flipei, numa mesa com Antonio Lino, publicado pela editora Elefante, que estreei em 2018 numa mesa literária na cidade de Paraty. Guardo isso com carinho. Quem frequenta a Flipei sabe que ela era o lugar onde toda a galera se encontrava para varar a madrugada com cerveja, música e variadas modalidades de entretenimento adulto. Me pergunto onde é o fim da balada pra todo mundo em 2024, para além das festinhas, algumas fechadas, que rolam nas casas e em casas? Me contem depois.
Escrevi sobre a Flip duas vezes, no ano passado. Aqui vai:
Deixo, igualmente, sugestão de três newsletters que comentam a Flip deste ano:
, eAinda dá para ler as três e aproveitar o final de semana por lá.
Sexo
Vamos agora para aquilo que o Povo Gosta!
Eu tenho vivido, há meses, algo que chamo de “virada psicanalítica”. Isso não significa só estar em análise, como tem ocorrido comigo desde junho, mas também estudar psicanálise e envolvê-la no conjunto de saberes que perpassa a minha prática como professor universitário e crítico literário. Sobre isso, ainda, é bem interessante ver que há impactos, igualmente, na minha escrita de ficção.
Dentro da minha curiosidade com a psicanálise, os temas do amor e do sexo têm sido minha prioridade. É aqui que quero indicar um ótimo livro para vocês, que terminei de ler esses dias. Me refiro a Alguma vez é só sexo?, do psicanalista Darian Leader, publicado neste ano de 2024 pela Zahar, selo da Cia das Letras. A partir de um diálogo com Lacan e com as ciências sociais, Leader faz um fascinante, e perturbador, retrato da sexualidade humana.
O que atravessa o livro é a seguinte questão: não existe sexo sem sentido, portanto por quais mecanismos nós criamos significados para o sexo? Este é um livro que nunca poderá sair da minha casa e ser emprestado por alguém, porque, na empolgação da leitura, comecei a refletir sobre minha própria vida sexual e anotar estas reflexões, e alguns delas com nomes de pessoas reais, nas marginálias das páginas.
O livro de Leader jogou luz para uma série de delícias e angústias que vivi, ao longo dos anos, em minha vida sexual. No seu livro, somos seres em busca do preenchimento da Falta primordial que nos estrutura, seres contraditórios em especial na dimensão do prazer erótico. Partidos, buscamos a consolação em fantasias cujas raízes estão em nossa infância e que se traduzem em complexos jogos de poder e constante incomunicabilidade entre os parceiros envolvidos no amor. Não há como sair indiferente a um livro como esse. Se a psicanálise não te interessa tanto, ainda assim eu te recomendo a leitura, porque a sucessão de episódios, taras, absurdos e práticas narrados no livro me causou comoção, estupefação, risos e desconforto. Consentimento, culpa, espelho, projeção, imaginação, dor, violência - o sexo é tudo isso e muito mais. Vislumbrar a profundidade do sexo para além do próprio ato da carícia é revelador.
De ressalva, eu apontaria duas questões. Primeiro, por ser um livro mais de divulgação científica, seu autor passa por uma série de questões complexas com uma horizontalidade excessiva. Em seguida, eu penso que o teatro trágico criado por Leader em seu livro é muito convicente, mas faltou pensar o sexo na dimensão do prazer puro. Ok, a travessia que é prazer, realizada através dos objetos da nossa devoção, nunca é o ponto de chegada da experiência erótica. O ponto de chegada é o que Somos e o que nos Falta - mas o prazer é em si uma experiência e, sinceramente, muito boa. Estar no cerne do prazer - o livro poderia ter pensado mais a esse respeito.
A revista Gama publicou recentemente um trecho do livro, caso vocês queiram conferir.
Era sobre isso que eu queria conversar com vocês hoje nesta madrugada, na qual minha palavra se projeta em busca de uma outra margem na solidão. Aliás, eu decidi não mais numerar essa newsletter. Nos próximos dias, volto por aqui.
C.
agora estamos todos curiosos para saber o que você escreveu nas bordas do livro de leader… 😅
Excelente