Linguagem Guilhotina #13 - O festival literário da Pen America - Parte II
Nesta edição, continuo a compartilhar as impressões sobre o World Voices Festival. Esta é a parte II.
World Voices Festival - Parte II
Semana passada, compartilhei com vocês as impressões gerais sobre o Pen America World Voices Festival. Caso você não tenha lido, é só clicar aqui, onde explico o quê é o festival, além de compartilhar minhas ideias sobre a serventia de um festival literário.
Agora, é hora de comentar duas das quatro mesas que assisti presencialmente, ricamente ilustradas com meu jeito torto de tirar foto.
Mesa 2 - Han Kang
A coreana Han Kang é uma autora que parece ter um bom público aqui nos Estados Unidos, bem como no Brasil. Uma prova disso é que recebi muitas mensagens quando postei fotos dela nas minhas redes sociais. Também me chamou atenção o fato de que esta foi uma das poucas mesas do Festival dedicadas a apenas uma convidada. As demais mesas geralmente juntaram de três a quatro escritores, além da mediação. Por enquanto, li de Han Kang apenas o romance A vegetariana. Ao contrário de boa parte dos seus leitores, não saí tão satisfeito da leitura. Gosto muito da primeira das três partes do romance; as outras duas, contudo, acabaram me desinteressando. Apesar disso, considero existir uma voz muito original no livro e isto por si só me animou a priorizar a mesa dela entre tantas outras do evento.
A conversa aconteceu na livraria The Strand, uma das maiores e mais tradicionais de NYC. O legal é que ela rolou no terceiro andar da livraria, no setor de livros raros e que parece uma biblioteca diretamente saída de um romance do século XIX, mas cujo protagonista fosse algum intelectual excêntrico e decadente.
Quem era o público? Mais da metade era composto por jovens asiáticas, suponho que coreanas ou descendentes de coreanas. O restante era composto sobretudo por americanos brancos naquelas faixas de idades que já indiquei no post anterior.
Han Kang conversou em inglês na maior parte do tempo, embora estivesse acompanhada de uma intérprete. Na conversa, foi destacado o quanto na obra dela está presente a questão da linguagem, em especial no romance recém-lançado aqui nos Estados Unidos, o Greek Lessons. A mediadora destacou o quanto lhe chama atenção que Han Kang constrói narrativas silenciosas com imagens violentas. A autora concordou. Gostei de ouvi-la falar dessa opção como um caminho para a sua ficção. Por fim, outra reflexão de Han Kang sobre o próprio trabalho e que me chamou atenção: ela diz que procura escrever cada frase criando uma linguagem que tenha sempre vividez.
Após a mesa, se formou uma longa fila para pegar dedicatórias. Infelizmente, acabei não entrando nela, porque estava atrasado para a mesa seguinte. Mas depois retornei na Strand e comprei uma das cópias assinadas de Greek Lessons à venda por lá.
Mesa 3 - Namwali Serpell, Kevin Chen, Joseph Han, Samanta Schweblin
Como a mesa de Han Kang atrasou e havia uma distância de pelo menos 15 minutos de caminhada entre a The Strand e o Joe's Pub, acabei perdendo os primeiros 30 minutos da mesa. O tema que a envolvia era “Haunted Novels” - algo como “romances mal-assombrados”. As autoras e autores compartilharam a dimensão fantasmagórica de seus romances e contos, seja esta dimensão algo mais ligado à memória, ao trauma familiar, ou ao sobrenatural. Embora eu tenha chegado atrasado, ainda deu tempo de ouvir a argentina Samanta Schweblin, principal motivo para eu ter escolhido a mesa. Escrevi sobre os contos de Schweblin na revista 451. E nunca deixo de indicar em entrevistas o quanto a prosa dela influenciou Gótico Nordestino, em especial o seu livro Sete Casas Vazias, vencedor do prêmio literário National Book Award para literatura traduzida em 2022.
Assim que cheguei e me acomodei, ouvi a escritora Namwalli Serpell falar sobre o quanto a região da Bay Area, da qual fazem parte cidades como San Francisco, Berkeley e Oakland, possui uma dimensão intrinsecamente mal-assombrada. Não poderia concordar mais. Morei durante um ano, em 2012, nesta região; tentei incorporar algo do malassombro da Bay Area em uma série de contos e em um péssimo rascunho de romance, que para minha alegria hoje (mas tristeza na época), foi rejeitado por várias editoras. Algo do malassombro ainda chegou a ecoar nos meus contos de Na outra margem, o Leviatã, transfigurado na visão sobre São Paulo que existe neste livro. Serpell é uma autora da qual nunca tinha ouvido falar, mas que tem uma carreira bem sólida aqui, escrevendo entre os registros do realismo e da ficção científica. Nascida na Zâmbia, ela deu aula em Berkeley e atualmente dá aulas no departamento de Inglês de Harvard.
Em seguida, pude ouvir Schweblin fazer uma reflexão e defesa da estética do horror. Ela afirmou o quanto lhe chamam atenção os efeitos do horror no corpo do leitor; também destacou que o horror nos coloca na borda de um precipício. Depois, ela destacou um dos próprios métodos criativos, o de criar para si mesma regras de composição. No lugar destas regras a limitarem, defendeu a escritora argentina, elas funcionam como balizas para a criativadade. Os gêneros literários, conclui Schweblin, tais como o conto fantástico, o horror, ou a ficção científica, são regras que, se bem usadas, contribuem para a originalidade da escrita.
A mesa concluiu com leituras das convidadas e convidados (foi interessante ouvir Schweblin ler em inglês um conto que li originalmente em espanhol e que reli em português). Acabei tendo vergonha de conversar com ela e pedir uma dedicatória. Além disso, como eu tinha chegado de Princeton no mesmo dia, me senti bem cansado e com vontade urgente do combo cama + banho.
Estas foram as impressões das primeiras duas mesas que assisti presencialmente. Próxima semana, concluo meu relato com as duas mesas seguintes, que também foram bem legais.
Abraços e até próxima semana!
C.
Puxa, que excelente! Ouvir a Schweblin e a Kang, grandes escritoras de nosso tempo (e puxa, eu morava nesses lados). Aproveite tudo e obrigada pelo relato 💙
Samanta Schweblin 🖤