Linguagem Guilhotina #27 - E a volta da Flip?
Em edição extra desta newsletter, faço um breve relato de como foi a minha Flip este ano.
#Fliperrengue
Sim, amigas e amigos, o fim chegou.
Não do planeta, ele ficará de boa. Como um dia já cantou Ivete Sangalo, parece que é “o fim da aventura humana na Terra”.
Esta foi a Flip na qual oficialmente a gente sentiu os efeitos de fenômenos climáticos extremos.
Não que eles estivessem ausentes em anos anteriores. A sua percepção, contudo, foi mais acentuada este ano. Se na quarta e quinta-feiras, por exemplo, nós derretíamos com um sol abrasador, de sexta até domingo o tempo fechou, o sol pediu demissão e até frio era possível passar. As variações de temperatura foram enormes e eu confesso a vocês que voltei doente de Paraty. Só agora - no fim da tarde - consegui sentar e pegar um pouco em trabalho.
Toda a Flip foi marcada por isso. A minha Flip não poderia ser diferente. Digo “minha”, porque o ecossistema literário que toma conta de Paraty todo ano é vertiginoso. Na newsletter anterior, que se dedicou também ao tema, eu dizia que, além da programação principal, havia no mínimo 10 outros eventos simultâneos paralelos com programação extensa, interessante e vigorosa. Na verdade, foram mais de 40 casas parceiras na Flip. Supondo que metade teve muitos eventos literários, são no mínimo de 20 festas literárias ocorrendo de maneira simultânea ali. Isso sem contar com as centenas de lançamentos de livros que ocorreram, em especial nas casas de autores e editoras independentes. Por isso, não dá para acompanhar tudo. É fisicamente impossível.
Alguns fenômenos básicos da Flip aconteceram comigo. Compartilho com vocês o checklist:
Entrei de penetra em pelo menos uma festa badalada;
Encontrei as mesmas pessoas no mínimo dez vezes enquanto vagava pelo centro histórico;
Por outro lado, não encontrei com amigos e amigas, apesar dos nossos esforços, porque provavelmente cada um estava em uma Paraty paralela, de um diferente universo;
Tomei o drink Jorge Amado, com a legítima cachaça Gabriela;
Exceto pela minhas próprias mesas, não consegui ver nenhuma mesa integralmente. Devido à boemia, mas também aos compromissos profissionais, as mesas da Flip são sempre vividas por mim em fragmentos;
Me perdi nas mesmas ruas, como reza a tradição;
Fiz amizade com um cigano, durante o blackout, e compartilhei meu vinho branco moderadamente frio com ele. Ele me pediu dinheiro, depois álcool, depois dinheiro pro álcool, e me contou histórias;
Rolou ao menos um fenômeno sobrenatural, pois estou convencido de que Paraty é nível Olinda e nível centro do Recife de malassombros sobrenaturais.
E as tuas mesas foram legais?
Eu gostei muito das três mesas que fiz na paralela da Flip.
Eu estava junto de autores e autoras incríveis (um salve para Luiza Romão, Joana Bértholo, Anita Deak, Schneider Carpeggiani e Fábio Dobashi), ou de colegas do universo acadêmico (como foi o caso da mesa da Paratodos, por exemplo, em que havia autores-acadêmicos como eu, Patrícia Lino e Felipe Charbel, junto com dois grandes acadêmicos brasileiros, Pedro Meira Monteiro e Eliane Robert Moraes).
A mesa do Sesc em especial chamou minha atenção, porque ela foi toda marcada pela pressão do clima. Lá no meu Instagram eu fiz um relato do que rolou de estranhezas apocalípticas, então deixo o link aqui para quem tiver curiosidade de ler:
Gostei também de vagar pela cidade, de ir na Flipei tomar um chopp, de passar pelos Happy Hours das casas, de ver meus editores, de abraçar, conhecer e ser reconhecido. Foi muito massa saber que havia leitores e leitoras minhas este ano na cidade, tanto dos meus livros (do Gótico Nordestino em especial), quanto desta newsletter.
Eu senti, porém, um desgaste meu com Paraty. Pode ter sido pelas condições climáticas…? Sem dúvida, entretanto o quanto aqui e ali certos comportamentos típicos da vida social literária me deixaram mais impaciente…? Certas posturas, certas escolhas. Me pus a pensar sobre o verbo “pertencer”. O que significa pertencer a um mundo editorial-literário e o que devemos fazer com isso? Enfim, ao longo dos quatro dias, em especial nos dois primeiros, senti algo sobre o qual ainda quero pensar melhor.
Isto não significa, contudo, que não foi uma Flip proveitosa e divertida. Foi sim, muito. Aliás, como é natural, desde ontem tenho visto postagens muito agressivas em relação a Flip (seja sobre a programação principal, seja sobre as paralelas). Como também escrevi na edição passada, eventos como este, que envolvem não apenas nossos amigos da literatura, mas um mercado que movimenta bilhões de reais por ano, nos lança na vivência de profundas contradições sociais e econômicas. Somos parte, nós que estivemos lá, de tais contradições. Creio, porém, que da forma que for possível, temos direito a estar lá. E devemos, na medida das nossas condições, estar lá com nosso trabalho e nossa arte.
Logo, meu agradecimento às casas parceiras que me receberam na Flip: Casa Paratodos e Casa Pagã. E o agradecimento especial ao Sesc, que financiou a minha ida até Paraty para participar de sua ótima programação literária em parceria com a Flip.
Assombrações
Este aspecto da minha vista a Paraty em 2023 merece um tópico à parte. Não sei se todos vocês já conferiram o perfil do Instagram Das Letras? Ele é a revista literária da Companhia das Letras e produz conteúdo sobre os autores e publicações da casa, assim como conteúdo sobre os selos da editora, entre eles o selo Alfaguara, onde publico minha ficção atualmente.
Já fiz um conteúdo pro Das Letras na época em que morei em Princeton, no início deste ano. Pois bem: a convite das editoras do Das Letras, decidimos gravar e tirar fotos de lugares assombrados de Paraty. A ideia original eram os meus lugares favoritos da cidade, porém ela evoluiu para lugares com histórias assombradas. Eu conheço pouco Paraty, mas se vocês me perguntassem, como as editoras Lara e Stéphanie me perguntaram, qual meu lugar favorito, eu responderia: as correntes. Tenho fascínio por algumas correntes enferrujadas, espessas, que estão localizadas em lugares de transição de Paraty. Há uma corrente entre o centro histórico e o mar, por exemplo; outras, entre o centro histórico e a cidade mais moderna.
Eu enxergo estas correntes como portais. Elas dividem dois tempos, dois projetos de cidade, duas condições sociais dissemelhantes. São antigas e, portanto, são ruínas. Volta e meia elas balançam… E me pergunto que histórias o vento leva e traz através delas.
Para gravar o vídeo, fiz uma pesquisa prévia; ela foi enriquecida com algo que usualmente não faço, devido à minha timidez, que é fazer uma apuração com fontes escolhidas por acaso na rua. A timidez foi vencida porque minha curiosidade foi enorme. Eu queria ouvir Paraty. Minha primeira fonte foi Seu Luciano, que vende coco lá na rua Dona Geralda. Foi dele a informação de que, embaixo da igreja de Santa Rita, existe uma serpente gigante enterrada. Por causa desta serpente, a igreja é torta.
Não direi mais nada. Deem uma conferida no Das Letras, a gravação deve ser postada nas próximas semanas.
E agora?
Sinceramente?
Escrever e fechar meu semestre como professor na Mackenzie. O ano está acabando e estou com uma energia de criação boa. A Flip foi meu último evento, presencial ou virtual, no qual participei, em 2023, como escritor de ficção.
No finzinho da Flip, senti a necessidade de voltar ao que nos faz autores: a escrita. Ontem, domingo, em casa, à noite, revisei duas páginas de algo que rascunhei no meu caderno de escrita.
Tenho dois projetos de ficção e conseguirei concluir ambos. O primeiro é uma novela, ambientada perto de Campina Grande, puxada para a ficção científica e para o realismo mágico. O segundo projeto consiste de três contos longos de horror. Cada um deles se passa em um século - XIX, XX, XXI - e cada um é protagonizado por um escritor ou escritora. O do século XXI foi escrito em Princeton e é protagonizado por uma escritora brasileira de horror.
Estas foram, no calor da hora, minhas vivências da Flip. E quanto a vocês? Quem esteve por lá e quer compartilhar como foi? A conversa, como sempre, continua aqui nos comentários.
Abraços!
C.
Força na escrita, pois já quero ler essas histórias 💛
Percepções parecidas por aqui, ainda vou escrever. Te vi nas ruas por lá, não consegui dar oi por timidez. Foi na casa paratodos no ano passado que conheci seu trabalho, inclusive. Gosto muito da programação deles. Um abraço