Toda rotina após uma separação amorosa, em seus movimentos de dor, insônia e desabafos, é comparável a uma escada.
Não, porém, àquela escada que Jacó viu em Betel, como nos conta a Bíblia. Esta escada bíblica, da ordem do divino, é usada somente por anjos, que através dela descem até nós, até essa terra de homens e mulheres que se amam e se machucam dia após dia. Descendo os degraus, os anjos, dedicados funcionários, nos trazem mensagens do sagrado.
A outra escada, a da separação, não tem anjos, porque ela não possui princípio, nem fim. Ela não tem a função de nos enviar mensagens. Ela não leva você de volta para lugar nenhum, nem te conduz a um mundo novo. A função dessa escada nada mais é do que fornecer degraus a serem pisados. A escada começa e termina a partir de si mesma.
Você, nesse momento, anda por esta escada. Dia após dia, você sobe e desce centenas de degraus, embora nem sempre seja possível saber quando se sobe, ou quando se desce.
Ah, esqueci de dizer: volta e meia, é preciso, durante a jornada pelos degraus, parar num deles e pegar uma barata, um besouro, uma lesma, uma centopeia lá do chão. Em seguida, você deve comer o bicho. Mastigá-lo até triturá-lo em pedacinhos. Não adianta cuspir com repulsa antes de terminar a mastigação: a criatura volta inteira e é preciso refazer o trabalho. O melhor a se fazer é comer o inseto, realizar uma mastigação eficaz e engolir de uma vez.
Deve-se repetir a operação de andar pelas escadas, de comer os insetos, quantas vezes for necessário, até que não existam mais escadas, insetos, degraus e até que não exista mais você.
Acho que esse é um dos motivos se eu ter “me aposentado”: já caminhei vezes demais nesta escada.
Que texto massa! Me lembrou G.H e o gosto do vivo.
Um beijo!!!