Linguagem Guilhotina #25 - O que significa ganhar, ou perder, um prêmio literário?
A partir do ciclo de premiações do ano passado e deste ano, penso em como nos relacionamos com as premiações e por que elas são importantes.
Por que vamos conversar sobre premiações, Cristhiano?
Porque, além do ano estar acabando, o ciclo dos prêmios também está. O calendário do mercado editorial gira muito em função dos grandes eventos - Bienais, Flip, por exemplo -, das grandes feiras - uma delas, a de Frankfurt - e dos prêmios. E uma das vertentes desta newsletter consiste em que eu compartilhe com vocês minhas vivências do mercado editorial e da vida literária.
Então, apertemos os cintos e vamos falar da (às vezes) montanha-russa que pode ser participar das premiações literárias. Entre 2022-2023, ganhei um importante prêmio literário e perdi outros. Quero compartilhar o que senti e o que isso me fez pensar.
Não ganhei um prêmio literário! O Mundo e o Sistema estão contra mim! Denunciarei a Grande Conspiração!
Se você está insatisfeito, porque seu livro não foi vencedor de algum prêmio, ou não foi finalista de algum prêmio, ou não foi lembrado nas famigeradas listas das publicações jornalísticas, ou dos influenciadores, como uma das Melhores Leituras do Ano, bem-vindo à carreira literária. Sente-se, pegue um drink, se acomode, e vamos conversar.
Eu acredito na literatura como o exercício de uma paixão.
Sem isso, não há arte, e a literatura, como dizia um ex-professor meu do curso de Letras, é a arte da palavra. No entanto, por sermos apaixonados por literatura a ponto de querermos produzir literatura, estabelecemos, com frequência, uma conexão emocional muito forte com o nosso trabalho enquanto autores. E isso pode nos levar, esta paixão, o desejo e o sonho que a alimentam, a encarar as injustiças da carreira literária de uma forma nem sempre saudável.
Não é fácil não ganhar, não ser prestigiado. Ao longo da nossa caminhada, seremos mais “esquecidos” e “deixados de lado” do que o contrário. Em certo momento, temos os holofotes diante de nós; em outros momentos, caminharemos com maior discrição nas margens. Em alguns momentos, seremos chamados para vários eventos literários; em outros, a coisa vai esfriar um tanto e o lugar que era garantido a você naturalmente será passado para outras pessoas na fila de espera literária. No caso dos prêmios literários, é mais frequente que você perca, do que ganhe; que você não seja lembrado, por melhor que o seu livro seja - e tenho certeza de que o seu livro é, sim, instigante, bem construído e o resultado de um grande esforço.
Mas eu entendo a nossa paixão. Esses dias, lembrei de quando, na adolescência, ou aos vinte e poucos anos, eu aguardava com ansiedade o resultado dos vários concursos de contos, ou de romances ou de livros de contos, para os quais eu, todo ano, enviava meus originais. Ano após ano, saíam as listas de contemplados - eu não estava lá. Aquilo me chateava e frustrava, mas eu seguia adiante. Não é fácil escrever sob o risco de não ser lido, nem de ser reconhecido. Mas escrever é como pão e água - é isso que nos torna autores e autoras.
Semestre após semestre, anos após ano, eu enviei em especial contos meus para concursos. Como te disse, nada aconteceu.
Até que, um dia, eu ganhei.
Os prêmios são importantes mesmo?
Os prêmios são muito importantes, porque são um dos principais elementos de movimentação da literatura. Eles viram “assunto”, nem que seja dentro do nosso nicho. Não devemos vê-los somente como algo que interessa ao varejo nu e cru dos livros. Por favor, não vamos praticar esse pseudo-marxismo ressentido de botequim. Concordando com seus resultados ou não, os prêmios contribuem para a renovação dos valores literários e dos seus nomes. Mesmo nos períodos nos quais os prêmios parecem repetir as mesmas figuras, haverá sempre espaço para alguma voz dissonante encontrar um espaço maior.
O primeiro prêmio que ganhei foi ali por volta de 2007? Ou 2008? Imediatamente, ele me deu uma visibilidade em Recife. O prêmio era o Osman Lins de Contos, cuja premiação foi ter meu conto participando de uma antologia editada pela Fundação de Cultura vinculada à prefeitura do Recife. A antologia publicou o meu conto e de outros autores também vencedores daquele ano. Em seguida, em 2012, entrei na concorrida seleção da revista Granta, que publicou aquilo que ela considerava como os 22 contos dos Melhores Jovens Escritores Brasileiros de então. A Granta seguiu em parte uma lógica de prêmio literário, já que a gente enviava para a revista o conto que seria publicado por ela. Por fim, eu só ganharia outro prêmio literário dez anos depois, em 2022, quando Gótico Nordestino venceu o prêmio Clarice Lispector de Melhor Livro de Contos, concedido pela Biblioteca Nacional.
Vejam que, após mais de duas décadas de tentativas, começando com 16 anos de idade e chegando aos meus agora 42 anos, só ano passado eu ganhei um prêmio literário para uma obra solo minha. O que isso quer dizer? Que sou um injustiçado, ou um mártir literário? Não. Quer dizer somente isso: que ganhei um prêmio literário solo ano passado, segundo os critérios de um grupo de leitores específico: o júri da Biblioteca Nacional.
Ganhar um prêmio seria um misto de mérito e sorte?
Isso mesmo. É assim que eu defino a coisa. Ganhar, ou ser finalista de um prêmio, é um mérito grande. Significa que, para aquele conjunto especializado de leitores, teu livro proporcionou uma experiência literária digna de atenção. No entanto, por que não pensar em um tanto de sorte? Porque, talvez, naquele ano que você ganhou, o teu livro estava no lugar certo e na hora certa; porque, naquele ano do prêmio, seu livro caiu na mão de um júri que tinha muita afinidade com seu trabalho. Eu creio que quanto mais a gente trabalha por nossa carreira e aperfeiçoa o nosso ofício, menos dependente da sorte seremos. A sorte, porém, continuará lá, como uma variável inescapável.
Logo, neste debate, o mérito deve nos deixar orgulhosos e deve nos fazer admirar os colegas que conseguiram a proeza de estar nas finais, nas listas de melhores do ano, nos lugares vencedores. A sorte, contudo, precisa ser um convite à humildade.
O que significa ganhar um prêmio literário?
É difícil ter leitores no Brasil. Quando vejo autores e autoras que vendem muito, ou quando participo de mega-eventos como a Bienal do Rio deste ano, eu me pego pensando que o nosso país tem um potencial enorme de leitores. A realidade da maioria de nós, no entanto, é a de que fazemos um trabalho de formiguinha, em que cada nova leitora/leitor é uma vitória preciosa.
Fiz uma rápida pesquisa aqui e não consegui achar exatamente o número de quantos obras estritamente literárias são publicadas por ano no Brasil. O dado que encontrei, lá no PublishNews, foi mais amplo: em 2022, o mercado editorial teve 387.751 ISBNs (ressalva: não ficou claro se isso é o total de isbns que circulam como um todo no mercado em um ano, ou se isso são ISBNs novos em 2022). Pensemos nesse número. Quase 400 mil livros por ano! Vamos supor, sei lá, que de livros de contos e de romances, foram publicados, somados, 100 novos livros nacionais ano passado (sei que o número é maior). Isso sem contar reimpressões de obras editadas em anos anteriores, clássicos reeditados, etc. Quantos desses 100 novos livros nacionais você de fato leu? Você já leu 100 autores e autoras contemporâneos diferentes? Dentro desses 387.751 ISBNs estão meu livro e o seu.
Assim, um prêmio literário pode te dar visibilidade, chancela, convite para eventos, vendas, pautas no jornalismo cultural e nos influenciadores digitais. Com essas novas janelas abertas, algumas pessoas podem se interessar de incluir o teu livro e o meu na sempre crescente pilha de leitura delas.
Perdi o prêmio, sequer fui finalista, minha carreira acabou? Como você se sentiu em 2023, Cristhiano?
Sua carreira não acabou.
Mas é preciso trabalhar sem cessar pelo seu livro e pela literatura. Este não é o seu objetivo, afinal? A literatura não tolera a covardia, nem a má vontade. Nesse momento, devemos estudar, reler, repensar, ousar; mas, por outro lado, calma, porque há um limite para sofrermos por um prêmio literário: quem sabe sua literatura não está além do que eles, os jurados, conseguiram ver? E a roda gira, isso eu te garanto.
No meu caso, tive muita sorte de ganhar o Biblioteca Nacional no ano mesmo de publicação de Gótico Nordestino, em 2022. Ufa! Mas serei sincero em dizer que tinha expectativas sim de ser finalista de algum dos prêmios dos quais, em 2023, eu concorria: APCA, Oceanos e Jabuti (o Odisseia Fantástica eu não me inscrevi, porque honestamente achava que não havia inscrição. Meus amigos Oscar e Ana me olham com reprovação nesse momento). Infelizmente, não consegui ser semifinalista ou finalista em nenhum deles. Fiquei chateado? Sim. Fiquei frustrado? Sim. É a paixão e uma das suas irmãs caçulas, a vaidade, falando e reagindo nessas horas? Sim.
Então?
Não tenho nenhuma promessa a fazer a você ou a mim mesmo. Nenhuma narrativa redentora. Não sou coach, nem estou aqui para te empoderar de qualquer maneira. Os prêmios vêm e vão. Eles ajudam muito, porém estão longe de definir seu livro, ou que escritor/escritora você é.
O que te digo é só isso: é preciso fazer o trabalho. Será difícil, será duro, será sangrento. Não há garantia de que o resultado será exatamente o que você espera. Quem te fizer essa promessa fofa, está mentindo para você. Literatura é conflito, é Hécate, é o lado obscuro da Lua, é a face terrível que Afrodite assume quando ela é a Senhora das Feras.
Mas, dito isso, como poderíamos viver sem a literatura?
Como poderíamos não escrever?
A justificativa reside nestas duas perguntas.
Na palavra e nos seus amores.
Estas são algumas das minhas impressões sobre o tópico dos prêmios literários. Nem tudo coube aqui, porque eu não queria que ficasse muito grande.
E vocês? Qual a leitura que vocês fazem sobre esse tema? Vamos conversar aqui nos comentários?
Até a próxima semana. A próxima edição será a última da Linguagem Guilhotina de 2023.
C.
Cheguei aqui no seu texto depois de duas indicações a respeito dele (já nem lembro em qual newsletter), e foi maravilhoso ter lido isso!
Fiquei pensando na minha própria posição como autor e o que é possível fazer a partir de um prêmio. Em 2021 eu ganhei o BN em Literatura Juvenil e fiquei feliz como pinto no lixo, igualzinho a você - e aí não fiz nada a respeito. Sim, eu estava meio confuso com a vida no geral, desapontado por estar escrevendo menos do que gostaria, um pouco distante das redes sociais, e aí acabei postando aqui, ali, divulguei um pouquinho e deixei morrer. Do momento em que estou agora percebo claramente que a minha abordagem foi um grande erro, mas na hora eu tava desmotivado e ficava pensando "por que as pessoas não querem ler um livro vencedor de prêmio?". É incrível como a gente se vitimiza de graça, por preguiça de se mexer e fazer a coisa andar. O que me salta aos olhos é que, ganhando, não ganhando, sendo finalista, não sendo, o importante é não parar de se movimentar... enfim, aprendizados haha.
Fiquei curiosíssimo com seu livro e já adicionei na minha lista! Acompanharei a newsletter com entusiasmo :)
É isso, Chris. É isso! Ficar de fora é igual ter o coração partido: dói muito, mas passa.