
Querida leitora, querido leitor: quero falar com você sobre o domingo.
Hoje, minha amiga Mariana me escreveu: “os domingos são sempre difíceis”.
A frase me tocou bastante, porque, ao longo da minha vida, posso dizer que sim, os domingos sempre foram difíceis. Isso se conecta a uma reflexão que não tem saído da minha cabeça, que é a do desafio daquilo que quero chamar de faróis temporais. Quero me explicar melhor. Por “faróis temporais” me refiro a datas fixas do nosso calendário, datas que vão ditando o ciclo de um ano. Para muitas pessoas, para mim, quem sabe também para você, os marcos temporais são desafiadores. Penso na complexidade dos aniversários, por exemplo, seja o nosso próprio aniversário, ou de determinados entes queridos.
Passei a pensar bastante a respeito disso por causa do período do final de ano.
Vivi, no finzinho de 2024, dimensões emocionais complexas. Enfrentei desafios contidos na memória que me constitui e enfrentei desafios sobre a minha trajetória até aqui. A isso, se somou minha postura de escuta sobre desafios na vida das pessoas que conviveram comigo neste final de ano, ou na vida de quem, à distância, conversou comigo no fim de dezembro.
No meu caso, o turbilhão de emoções que vivi precisou ser negociado com momentos de felicidade e contentamento. Acho que uma importante conversa que devemos ter com nós mesmos consiste em entender a seguinte questão: como negociar o canto de sereia do passado com as potencialidades de alegria e satisfação que os dias, em nosso cotidiano, revelam para nós? Porque nosso passado, nossos antigos amores, nossas frustrações e arrependimentos, nossa infância, entre tantas outras circunstâncias, podem se transformar em um terreno pantanoso que nos convida a mergulhar cada vez mais em sua lama.
Escrevo para você porque é possível que hoje o seu domingo seja um dia ruim. Teremos sempre dias ruins. O nosso coração é um vasto território e, dia a após dia, nós atravessamos as suas fronteiras. Dentro deste território existe o pântano, existe um deserto, existem praias, bosques, jardins, casas... Uma subjetividade é a somatória destes mundos que se confrontam. Não temos outra escolha a não ser atravessá-los. Quem te prometer uma travessia fácil por esses mundos está mentindo para você e para si. Por outro lado, que bom que nossa vida, que nossa subjetividade, não se resume ao peso de um dia difícil. A riqueza do viver reside na multiplicidade das vivências. O pântano só nos domina se passamos a acreditar que o domingo ruim, contido nele, é tudo que existe.
No meu caso, os domingos foram um desafio constante desde a minha adolescência. Não é preciso explicar por quê. Se em 2024 eu fui bem franco com minha saúde mental e até me expus com frequência dentro e fora das redes, entendo que 2025 é um lugar de retorno à justa medida de si. Saibam, contudo, que a cada sete dias eu tive, durante boa parte da minha vida, um encontro com enormes desafios.
Tive fases boas e fases ruins, ao longo da vida, em relação ao domingo. A literatura, o sexo, a arte e as amizades me ajudaram muito nesse desafio. No entanto, quero apontar que apenas quando, também no ano passado, decidi olhar com generosidade para as raízes das minhas angústias estruturantes, para a minha falta, e decidi de maneira sistemática cuidar da saúde mental, é que o desafio dos domingos me parece, hoje, melhor elaborado. O domingo foi superado, Cris? Não, porque sempre existirá o domingo.
Olha o desafio que é viver. Tenho 43 anos e só agora o domingo passou a me acolher. Que o domingo, o que ele significar para você, possa te pertencer também. Que este dia chegue.
Enquanto caminhamos, por que não se alegrar com dois poemas que nos mostram o quanto não estamos sozinhos?
Compartilho poemas dominicais de dois dos meus poetas favoritos, poetas cujas obras, infinitas, contêm até mesmo domingos.
Dá-me um sorriso ao domingo.
Dá-me um sorriso ao domingo.
Para à segunda eu lembrar.
Bem sabes: sempre te sigo
E não é preciso andar.
(Fernando Pessoa)
Poema que aconteceu
Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.
A mão que escreve este poema
não sabe que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.
(Carlos Drummond de Andrade)
Há versos e belezas hoje e nos dias que se seguem.
Um bom domingo!
C.
Nossa, odeio os domingos. Acho que até já escrevi sobre: https://tdgermano.substack.com/p/os-demonios-do-fim-de-tarde
Eu amo domingos mesmo com a nostalgia inescapavel que ele nos dá. Sobre essas emoções todas, tou lendo A vida secreta das emoções da Ilaria Gaspari, acho que vc pode curtir. 📖