Linguagem Guilhotina #9 - Audiobooks & Livrarias
Os desafios de gravar um audiobook do seu próprio livro + três livrarias nos Estados Unidos
Ao longo de janeiro e no começo de fevereiro, eu esperava a resolução de uma série de burocracias, entre elas, a concessão de uma bolsa, para poder me mudar temporariamente para os Estados Unidos. A coisa toda demorou mais do que eu imaginava, então passei os meses de janeiro, fevereiro e metade de março basicamente em casa, à espera da possibilidade de viajar para fazer minhas pesquisas de pós-doc em Princeton. Eu já tinha tido o meu afastamento com vencimentos aprovado pela empresa onde sou professor e pesquisador, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, então, pela primeira vez em quase dez anos, não comecei o ano dando aulas, nem preparando cursos.
Embora eu tenha ficado angustiado com a espera, hoje percebo que este momento de "pausa” foi fundamental. Eu precisava parar. Em especial depois da montanha-russa que foi 2022, com muito trabalho no Mackenzie, com toda a repercussão do meu livro e com a insanidade das eleições. Além de parar, eu consegui voltar a escrever. Já estava em um hiato criativo de um ano e meio, então imaginem meu alívio.
Outro fato muito bacana que aconteceu foi um projeto desafiador: a gravação do audiobook de Gótico Nordestino. As sessões de gravação rolaram no estúdio Audioink, em São Paulo. A equipe que trabalhou comigo, tanto da Companhia das Letras, quanto do estúdio, foi muito gentil e paciente - afinal, eu não sou ator. Embora uma leitura como a minha nunca seja fluida como a de um ator, eu acredito que um audibook narrado pelo próprio escritor do livro tenha também o seu apelo. Me esforcei ao máximo para ficar legal de ouvir.
Foram sete dias contínuos de gravação, com ao menos duas sessões posteriores de correções da gravação original. O primeiro desafio foi voltar aos meus próprios contos. Depois que eu publico algo que escrevo, é muito raro que eu revisite aquele texto, a não ser por coação violenta. Na verdade, mesmo antes de publicar, eu estabeleço um momento-limite, no qual o texto só voltará a ser relido se uma outra pessoa, um editor, por exemplo, sugerir mudanças. É que eu perdi, no passado, muito tempo andando em círculos com textos que eu nunca concluía e cujos trechos eu reescrevia todo o tempo.
Qual foi a sensação de retornar aos contos? Um misto de alegria e perturbação. Vamos para o segundo sentimento, primeiro. Ao longo da leitura dos contos, eu me controlava para não riscar um monte de coisa, reescrever, corrigir. Senti insatisfação com minha escrita, sem dúvidas. Porém, ao mesmo tempo, não fiquei totalmente chateado. Creio que consegui fazer o livro possível e que eu de fato queria escrever. Há qualidade nos contos, sim. Agora, é pensar, no futuro, em um novo livro de ficção que aproveite as qualidades da minha escrita, ao mesmo tempo buscando corrigir meus defeitos.
Outro fato interessante é que me ouvir me ensinou pequenos truques de oralidade. O meu audiobook é narrado, e não “interpretado", porém aqui e ali fiz alterações do texto original para deixar a escuta mais fluida. Além disso, no processo, reaprendi a força da oralidade, o quanto a gente, a partir da frieza da palavra impressa, acrescenta novas camadas de sentido ao texto usando ritmo, pausas, entonação, entre outros recursos.
Por fim, narrar seu próprio livro é um exercício de memória, porque ao longo da leitura eu lembrava dos momentos da vida nos quais eu escrevi cada um dos contos. Lembrei das inspirações para cenas, de como estava me sentindo, com quem estava me relacionando, de quem perdi pelo caminho… Lembrei bastante dos momentos de solidão da pandemia. Algumas destas memórias foram um bom reencontro; outras, nem tanto. Mas esta é a vida, não é mesmo? A jornada a ser percorrida.
Três livrarias do coração
Quero agora compartilhar fotos com vocês de livrarias que visitei em New York e em Princeton.
A primeira é a 1804 Books, livraria/biblioteca que fica dentro do Centro Cultural Socialista The People’s Forum. Quando estive lá, acontecia um debate sobre a situação política de Porto Rico. Tenho muita vontade de entender melhor este país e a relação de sua população com os Estados Unidos. Para quem não sabe, Porto Rico é um território dos Estados Unidos há mais de 100 anos.
Em seguida, visitei, no mesmo dia da 1804, a The Drama Book Shop, uma livraria especializada em Teatro e Escrita Criativa e que existe desde 1917. As duas primeiras estão localizadas em NY. A terceira livraria, The Cloak & Dagger, cujas fotos seguem mais abaixo, fica em Princeton. Eu a visitei na segunda semana morando na cidade. A The Cloak & Dagger é especializada em literatura policial e de crime.
Cada livraria me lembrou uma literatura.
É difícil entrar na 1804 books e não imaginar que estamos em um conto do chileno Roberto Bolaño - com sua reflexão sobre a condição frágil de todos nós, latino-americanos imigrantes. Sério, o local parece saído de um dos contos de Putas Assassinas. A Drama me remeteu à literatura noir, especialmente à obra de Dorothy B. Hughes, sobre a qual ando encantado. Enxerguei ali, décadas atrás, os cruéis criminosos de Hughes, usando sobretudo e chapéu, maturando, febris como os personagens de José Lins do Rego, ressentimentos e vinganças.
A Cloak é mais Conan Doyle do que Rubem Fonseca, então não só pensei em Agatha Christie, mas em Don Isidro Parodi, personagem criado por meus parças Borges & Bioy. Barbeiro injustamente preso, ele resolve crimes usando somente seu intelecto e os relatos que ouve a respeito deles. Pensei em Don Isidro na hora em que conversei com o dono da livraria, um senhor de idade avançada e com problemas de locomoção. Não tenho dúvidas de que, de dentro da sua livraria, cercado de livros sobre mistérios e sangue derramado, ele resolve todos os crimes mais complicados de New Jersey.
Hoje tivemos confissões sobre escrita e um pouco de turismo literário.
Estou pegando bem o ritmo do meu livro novo de ensaios, então talvez eu só volte aqui em 15 dias. Vamos ver como caminha. Ando meio obcecado e fico chateado com qualquer compromisso (e continuam aparecendo) aqui ou do Brasil que de alguma forma me impeça de mexer nele. Por isso, devo ficar este fim de semana quieto em Princeton, sem o tradicional bate-e-volta semanal para NYC.
Hoje (04/05), aliás, é Star Wars Day. May The Force Be With You.
Um ótimo fim de semana para vocês!
C.
Gostei demais da descrição das livrarias. Seria ótimo se todas fossem indicadas a partir das sensações que despertam.
Caramba, não conhecia a Drama Book Shop! Já coloquei no Google Maps pra dar uma olhada quando estiver por aqueles lados. Não associo aquele pedaço de Midtown com a calma de uma livraria, vai ver já passei apressada por lá várias vezes e não percebi.