Linguagem Guilhotina #5 (V.2) - Top 5 Filmes da temporada
Aproveitando a premiação do Oscar, compartilho com vocês meus 5 filmes favoritos da temporada, que foi especialmente boa.
Olá pessoal! O tema da edição de hoje é cinema. Desde agosto do ano passado, eu voltei a frequentar cinemas com mais intensidade e isso coincidiu com uma safra de ótimos filmes que chegaram até nós. Dessa forma, aproveitando a premiação do Oscar, na qual os filmes da minha lista estão concorrendo, decidi que seria uma boa compartilhá-la com vocês. Surpreende neles a qualidade, diversidade e coragem. E, sempre que possível, vale a pena vê-los no cinema. Vocês não vão se arrepender. Abaixo, seguem reações bem íntimas, sem pretensão de serem resenhas, ou algo do gênero. Escolhi comentar só cinco, porque fiquei com medo de ficar longo demais. Não se preocupem com spoilers.
#1 - Zona de Interesse, de Jonathan Glazer
Ao sair do cinema, depois de ter acabado de assistir a esse filme, eu estava tomado por duas sensações de igual intensidade: um senso de pura beleza e um mal-estar de puro horror. É esse tipo de efeito que provavelmente esta obra-prima causará em vocês. O mais experimental dos filmes desta temporada do Oscar, Zona de interesse é uma brilhante articulação entre imagens conceituais, inventidade cinematográfica e ótimas atuações. Se em primeiro plano temos a vida banal de uma família que mora ao lado de um campo de concentração, em segundo plano temos uma história de horror contada principalmente não pelo que se enxerga, mas pelo que se escuta. Vou guardar comigo durante bastante tempo inúmeras imagens belas, estranhas, perturbadoras. Gosto muito do final, que de alguma maneira discute a própria representação dos horrores do nazismo, enquanto também estabelece um debate sobre a temporalidade da História. Saí com um bocado de mal-estar após a exibição do filme, porém também grato pela catarse de inúmeros sentimentos que me habitavam antes de assisti-lo.
#2 - Pobres criaturas, Yorgos Lanthimos
Que prazer ter assistido a cada plano deste filme. Com Pobres criaturas, saímos do horror histórico do #1 e chegamos a uma das melhores comédias que tenho lembrança de ter assistido em tempos recentes. Adorei o mundo hiper-sexual, absurdo e assumidamente artificial que se forma ao redor da jornada da protagonista interpretada por Emma Stone. Se Zona de interesse parte do terror para constituir o máximo estranhamento a ser vivido na reconstituição do passado, aqui a ficção científica gótica é a base para uma afiada sátira de costumes. No coração do filme repousa a jornada de uma mulher na busca pela liberdade de construir a si própria, de viver cada possibilidade proporcionada pela vida sem amarras ou satisfações a serem dadas. O filme é então esse grito de “Sim” à vida. O grito ecoa a partir de uma morta-viva, cuja jornada de formação entende que viver é tanto abraçar o sublime, quanto o degradante.
#3 - Anatomia de uma queda, de Justine Triet
Este é um filme no qual até um cachorro entrega atuação melhor do que vários galãs de Hollywood ou da Globo. Vencedor com todo merecimento da Palma de Ouro de Cannes ano passado, Anatomia de uma queda fez um milagre para mim, que é o de me fazer gostar de um filme de tribunal. Na verdade, porém, Triet habilmente brinca com os lugares-comuns não só deste tipo de gênero cinematográfico, como também, em especial no primeiro ato do filme, com os filmes policiais. O resultado é um drama denso que debate com inúmeras camadas o estatuto da verdade. Dentro da busca de como podemos estabelecer uma comprensão, ou, quem sabe, a palavra seria “consenso”, sobre os fatos do mundo, sobre aquilo-além-de-nós, Triet escolhe conversar conosco tomando como base a anatomia de um casamento. Quem é a pessoa que nos acompanha, com a qual vivemos momentos de intimidade absoluta, mas de quem talvez nunca tenhamos o entendimento completo? De que modo o amor cria estabilidade e ao mesmo tempo fomenta o caos? Como estar com o outro e não perder a si mesmo por completo? São perguntas perturboras, porém necessárias, por dizerem respeito à natureza paradoxal das relações amorosas. E essas perguntas continuam na minha mente.
#4 Vidas passadas, de Celine Song
Para além das ótimas atuações e da ótima dramaturgia que dá musculatura ao seu roteiro, Vidas passadas se conecta a nós pela familiaridade dos seus dilemas. Quem nunca teve um coração partido? Quem nunca se sentiu deslocado, estrangeiro em determinado contexto da vida, mesmo que nunca tenha saído da cidade do seu nascimento? Num filme que deve ter feito a alegria dos meus amigos tradutores, já que tradução e incomunicabilidade são tópicos importantes aqui, a língua materna é uma casa e uma promessa. A distância e o amor não realizado acabam impondo ao casal protagonista a ilusão de uma utopia em miniatura, na qual a paixão que ambos compartilham um pelo outro é também uma projeção da vida inteira que poderia ter sido e não foi, para ficarmos com o famoso verso de Manuel Bandeira. “Paixão” - há apenas uma? Ou podemos amar mais de uma pessoa, em intensidades e movidos por necessidades diferentes? Vidas passadas é tocante pela visão madura do que seria o sentimento amoroso, no sentido de que ele nos recorda que não existe nunca o sentimento puro do amor. Pelo contrário, o amor nasce, cresce, morre e se metamorfosea em função das tantas variáveis que nos definem, variáveis essas que escapam com frequência ao nosso controle. Ainda bem que esse é um filme já feito em Hollywood (embora na prática seja um filme coreano, não acham?), do contrário logo mais a gente veriam um remake meloso dele, protagonizado por atores saídos do TikTok.
#5 American fiction, de Cord Jefferson
American fiction assumiu um risco: o de ser dois filmes, muitas vezes discrepantes entre si. Porque Cord Jefferson escreve e dirige tanto uma dramédia sobre um homem de meia-idade às voltas com situações trágico-cômicas envolvendo sua família e sua vida amorosa, quanto uma sátira do mercado editorial estadunidense. Um realizador menos talentoso naufragaria nesta proposta, mas Jefferson a leva adiante com louvor. Embora algumas críticas afirmem haver um desequilíbrio entre as duas faces deste filme, eu considero que minha experiência foi bastante positiva. Por que o diretor fez a escolha do duplo caminho? Porque uma carreira artística nunca é nada mais do que pessoal. Porque a arte que criamos, embora não seja um espelho de onde nascemos e de quem amamos, nunca poderá ser compreendida plenamente sem contextos sociais, culturais e íntimos. Por isso me idenfiquei tanto com o escritor e professor universitário tão bem interpretado por Jeffrey Wright. O que fazer com o desafio da herança familiar que carregamos? Como amar se nos sentimos inadequados, se buscamos o tempo todo uma proteção contra aquilo que nos machuca? E qual é o papel que a literatura desempenha em uma sociedade cheia de contradições? American fiction se tornou uma experiência profundamente pessoal para mim, porque me conduziu pelas perguntas difíceis.
Alguns links
Censura: Tenho acompanhado com preocupação uma série de ações que envolvem censura a obras literárias e artísticas, em especial ao romance de Jefferson Tenório. As ações não são por acaso e elas me parecem mais organizadas do que podemos supor à primeira vista. Elas dizem respeito à natureza radicalizada que tomou conta da direita brasileira, dizem respeito ao nosso autoritarismo enquanto país e aproveitam um momento político de maior fragilidade do governo Lula. Desfascistizar o país demorará muito, muito tempo. Uma leitura interessante é a proposta por Eric Novello em sua newsletter.
Dentes: Ano passado, o escritor André Balbo lançou um livro de contos muito bom: Sem os dentes da frente, publicado pela editora Aboio. Gostei tanto do livro que escrevi a orelha dele. Na minha orelha, eu digo o seguinte: “Sem os dentes da frente, de André Balbo, não está tateando em busca de um caminho. O caminho já está aí, com estratégias narrativas bem definidas e seguras, linguagem concisa, imaginativa e, em várias das narrativas, um bem-vindo senso de humor”. O livro está à venda no site da editora, ou pode ser comprado nas melhores casas do ramo.
Oscar: Gostou do papo de hoje sobre cinema? Te convido a escutar o podcast do Afinidades Eletivas. Participo dele comentando com meus amigos produtores do podcast quais foram nossos filmes favoritos e quais nossas apostas para o Oscar de Melhor Filme. Para ouvir, só clicar aqui embaixo.
Estes foram, portanto, os cinco filmes, daqueles que consegui assistir, mais marcantes da temporada. Lá no meu perfil do Instagram, se vocês quiserem, é possível ver mais quatro filmes que achei excelentes. Se vocês gostaram desses breves comentários, me avisem que posso fazer dos outros filmes também.
E vocês, quais filmes assistiram, de quais filmes gostaram? Como seria o Top 5 de filmes para vocês? Estou muito curioso para cotinuar a nossa conversa cinéfila aqui nos comentários.
Se cuidem e até a próxima,
C.
Safra recente está muito boa, né? Tem pra todos os gostos.