Linguagem Guilhotina #21 - Orelhas de livros
Afinal, o que faz uma orelha de livro ser boa?
Gostarias de ouvir a Palavra da Orelha?
No dia em que escrevo esta newsletter, eu entrevistei, em um evento no Mackenzie, os jornalistas e cronistas Humberto Werneck e Luis Cosme. A conversa foi muito boa. Ambos são excelentes cronistas, além de serem dois dos melhores jornalistas que o Brasil teve em décadas seguintes. Acho que foi tudo gravado, ou transmitido online, então se rolar o link eu deixo depois para vocês. Aliás, fazia um bom tempo que eu não sentia um bom frio na barriga antes de entrevistar alguém. Foi um desafio, mas ao mesmo tempo, ambos foram bastante gentis comigo.
O que isso tem a ver com orelhas, Cristhiano?
Vejam como são as coisas: o tema da mesa era a crônica (tema, aliás, que vale um post aqui neste blogue). Em determinado momento, Werneck fez referência a uma crônica de Drummond sobre um fato que acomete homens após determinada idade, que é o crescimento de pelos nas orelhas. Infelizmente, já tenho estrada de idade para ter entrado nesta fase capilar do homem “maduro”… Porém, ao ouvi-lo, pensei não somente nas amadas orelhas que temos na cabeça, mas nas orelhas de livros.
Orelhai-vos
A experiência de escrever de orelhas de livros é relativamente recente para mim, ao menos no caso de uma orelha que não seja do meu próprio livro.
Sim, porque até a publicação de Gótico Nordestino, eu só tinha escrito orelhas, não assinadas, ou quartas capas (aqueles textos que vão às vezes na capa de trás do livro), das próprias publicações que escrevi. Com a repercussão maior do meu trabalho como autor de ficção trazida pela boa caminhada do livro, convites começaram a aparecer, o que muito me alegrou.
Eu sou fascinado pelo que muitas vezes é chamado de paratexto, aquele conjunto de textos que orbitam ao redor do livro em si. Os paratextos são uma forma que conduzir o leitor para a recepção inicial do livro. São paratextos os prefácios e posfácios, as orelhas de livros, as blurbs (antigamente chamadas, ao menos por mim e colegas de universidade, de “endossos”, e que são aqueles textos de veículos da imprensa e/ou de pessoas consideradas relevantes que elogiam o livro), dedicatórias, epígrafes, as notas de rodapé...
Tem muitas perguntas boas que a gente pode fazer aos paratextos. Como o livro quer ser lido? Como as pessoas leram/lerão um livro? Por exemplo: no campo da Teologia, qual o peso e qual a interpretação hegemônica, em termos teológicos, que as notas explicativas dos versículos de uma Bíblia de estudo querem “impor” ao leitor? E por aí vai.
No caso de orelhas de obras literárias contemporâneas, eu estabeleci para mim mesmo algumas regras. Elas valem para a minha prática como “orelhista” e não são, de maneira alguma, normas absolutas. Tais regras são simples e me têm sido bastante úteis. Podem ser que elas ajudem você a ler orelhas, ou a escrevê-las.
As regras
Primeira regra: hora de deixar o ego para fora. Minha orelha assinada não pode querer aparecer mais do que o livro! Cansei de ver orelhas nas quais o seu autor parece querer impor a sua voz, sua suposta autoridade, ao livro em si. Isso me leva à segunda questão, que é o fato de que a orelha de um livro é sobre o… livro. Parece algo óbvio? Sim, porém, outra vez, quantas orelhas li que falam de tudo, mas nunca da autoria do livro e, em especial, do conteúdo do livro que recebe o texto da orelha?
Assim, se você próprio, que escreve a orelha, não se interessa pelo livro, por que eu me interessaria no texto que você escreveu para ele? Outra regra importante: a orelha precisa se comunicar com quem, por acaso, por recomendação, em uma livraria, ou em uma biblioteca, por exemplo, agarrou o livro com as mãos a fim de dar uma conferida nele. Eu evito o máximo possível termos muito técnicos, raciocínios sinuosos, jargões; ao mesmo tempo, também tento construir um texto que dialogue com o leitor no sentido mais amplo, e não apenas com aquele conjunto restrito de pessoas que faz parte de determinada cena literária ou de um nicho de mercado editorial. Da mesma forma - esta é mais uma regra que me imponho - eu não busco também, nas orelhas, um texto falsamente espontâneo ou super emocionado. Há uma certa dimensão profissional intrínseca a uma orelha de livro, o que não significa que o texto tem que ser super sisudo, ou coisa assim.
Ou seja, por que uma orelha de livro existe? Para vender o livro ou, no mínimo, convidar à leitura dele. Uma orelha tem funções secundárias, que estão sem dúvidas relacionadas à crítica literária, mas a sua função primordial consiste em ajudar o encontro do potencial leitor com a obra. Por mais sofisticada e erudita que seja uma orelha, ela existe como:
a) estratégia de convencimento: “esse livro é muito massa e você deve ser dar uma chance de lê-lo”;
b) argumento de autoridade: “uau”, pensa o leitor, “Fulano de Tal, de cujo trabalho eu gosto, tá recomendando esse livro, talvez valha a pena dar uma chance”.
Portanto, sempre escrevo uma orelha pensando que estou produzindo uma forma de mediação de leitura. Em certo sentido, isso é semelhante à mediação/entrevista em eventos literários/acadêmicos, o que faz com que eu, neste ponto da newsletter, acabe de fechar o círculo com o começo deste texto. À propósito, ser mediador e entrevistador, atividade que pratico de maneira profissional desde pelo menos a época da minha graduação em Letras, vale uma conversa também. Adoro mediar, trocar conversa, em eventos, com autores, e as regras que estabeleço para mim mesmo nessa atividade são semelhantes às orelhas.
🎯 Sugestão de leitura: a coluna de Henrique Rodrigues
Na edição anterior da Linguagem Guilhotina, compartilhei com vocês um depoimento sobre a minha participação na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Hoje, Henrique Rodrigues publicou, em sua coluna no Publish News, uma ótima reflexão sobre a Bienal como um todo, mas também sobre os desafios, e contradições, das políticas públicas sobre livro e leitura, bem como sobre a nossa carreira como autores. Na questão da carreira, ele aborda um tópico fundamental, que é a questão da remuneração de escritores em eventos literários. Indico muito a leitura.
Quem quiser ler este e outros textos de Rodrigues, é só clicar aqui.
🎤 Podcast: minha conversa com a galera do PodLetras
Uma das entrevistas mais legais das quais participei recentemente foi a com a turma da PodLetras. Gostei demais da conversa, que começou como um bate-papo bem na pegada de “conversa jogada fora”, o que achei ótimo. O podcast vem entrevistando com louvor outras autoras e autores contemporâneos - recomendo muito.
Quem quiser assistir o episódio comigo, é só clicar aqui embaixo:
🪇 Próximos eventos - Ateliê de Criação Literária + Paralela Flip
Eita! No fim do mês de setembro estreio como professor de escrita criativa, ministrando o último módulo do Ateliê de Criação Literária, da Biblioteca de São Paulo. Com curadoria de Nelson de Oliveira, várias escritoras e escritores deram, ao longo destes meses, módulos temáticos diversos. O meu será o último, sobre “Ficção sobrenatural”. Têm rolado também palestras nas quais os alunos podem conversar com autores convidados. Para saber mais, só clicar aqui.
Quanto a outros eventos, em setembro eu participaria de um no Ceará e, em outubro, havia um pré-convite para a Bienal de Pernambuco. Infelizmente, por diferentes motivos, minha participação nestes eventos acabou sendo cancelada. No entanto, ainda em outuro, vai rolar um evento em uma cidade do estado de São Paulo. E, em novembro, estarei em ao menos dois eventos da programação paralela da Flip (pode rolar ao menos um terceiro na paralela, mas ainda a ser confirmado). Assim que puder, divulgo com vocês.
Hoje falamos bastante de orelhas de livros e gostaria de saber de vocês: orelha é algo no qual prestam atenção? Concordam ou discordam com as regras de escrita de orelhas? Já decidiram ler, ou comprar um livro, por causa de uma orelha? Me contem aí nos comentários, que tal?
Até a próxima edição!
C.
Hoje mesmo escreverei uma orelha e já tomei nota. Sempre sinto que é uma grande responsabilidade e, ao mesmo tempo, uma honra.
É o momento de quebrar a cabeça e exercer a síntese, fazendo o convite à leitura, torcendo para aquela orelhinha convença quem está do outro lado.
Obrigada por sistematizar tudo isso!
Acho importante essa sobriedade na orelha. Deslumbramento excessivo só me faz olhar com mais desconfiança para o livro.
E é aquela coisa, né!? Às vezes o orelhista fala do passarinho, da infância, da partida que o Beraldo jogou contra o Flamengo porque topou fazer a orelha antes de ler a obra. Daí, quando viu o texto e notou que se meteu numa cilada, sobrou olhar pra outro canto.