Linguagem Guilhotina #20 - Vida literária & orelhas de elfos & Brás Cubas
A Bienal do Livro do Rio de Janeiro & outras temáticas fascinantes
Envio esta newsletter em um dia patriótico, porém pensando em outras coisas.
A Linguagem Guilhotina consegue existir atualmente meio no calor da hora da escrita. Quero com isso dizer que, se antes eu planejava a newsletter e escrevia edições com até duas semanas de antecedência, atualmente uma nova postagem só nasce quando abre uma janela de uma horinha livre entre os compromissos que todos nós temos no dia a dia. Daí, a consequência é que, ao menos por enquanto, vou abandonando o formato anterior de edições temáticas da Linguagem Guilhotina e incorporando meio que uma pegada quase de diário… Um diário opaco, no qual eu revelo pequenas angústias e alegrias pelas entrelinhas de parágrafos sobre carreira, literatura, vida acadêmica…
Percebo que acabo de usar “…” duas vezes em um mesmo parágafo. Hora de parar! Então, outra vez, vou pensando com vocês algumas ideias que vieram à minha cabeça ao longo dos últimos dias.
Bienal do livro do RJ
No último final de semana participei da Bienal do Rio de Janeiro. Foi uma estreia dupla, porque nunca tinha visitado a Bienal, nem tinha participado da sua programação oficial. Sempre quis ir para a Bienal do RJ, a maior do Brasil; imaginem minha alegria quando o convite oficial da curadoria chegou, meses atrás!
Tenho fascinação por bienais, embora eu tenha dúvidas se a maior parte do meu público-leitor está nelas mesmo. Meu Gótico Nordestino, porém, é considerado um livro de encruzilhada entre uma perspectiva mais “mainstream” de literatura, por um lado, e algo mais da ordem do fantástico que pode interessar jovens leitores, por outro. Assim, para minha sorte, tenho feito, nas bienais das quais fui convidado desde o ano passado, mesas com autores que dialogam de maneira excelente com o público-leitor mais frequente das bienais, o público mais importante de todos: a leitora/leitor jovem.
No link acima, vocês encontram todos as mesas do dia 03/09 da Bienal, inclusive a que eu participei. Pois bem, com o tema O Fantástico Nacional, dialoguei com as escritoras Ana Cristina Rodrigues, Paola Siviero, Carol Chiovatto. O auditório estava cheio e foi adquirindo lotação plena ao longo da nossa mesa, o que me alegrou e impressionou. Aprendi muito com minhas colegas, tanto nas conversas anteriores à nossa mesa, quanto durante e depois dela. Com Paola e Carol, por exemplo, aprendi muitas dicas preciosas sobre carreira e como lidar com a dimensão econômica do livro. Foi ótimo, por outro lado, descobrir que eu e Ana gostamos dos mesmos RPGs de videogame.
A Fantasia enquanto gênero do insólito foi um dos fios condutores da mesa. Este gênero reina hoje com folga no contexto das bienais, sendo responsável por alguns dos livros mais vendidos no Brasil. Não deixo nunca de me impressionar com isso! Como disse acho que para Paola, no jantar que tivemos no dia anterior à nossa mesa, se alguém anos atrás me falasse que, no futuro, a Fantasia seria um dos gêneros mais lidos no nosso país e que haveria em especial escritoras brasileiras, como é o caso das minhas colegas de mesa, com sucesso de público escrevendo dentro deste gênero, eu não acreditaria.
Desde a adolescência, eu consumo bastante Fantasia, embora pouca coisa deste consumo tenha sido através de romances. A Fantasia sempre participou da minha imaginação através dos jogos - RPGs de mesa, ou videogames - e em especial das histórias em quadrinhos. Hoje, o gênero não só é mais popular e conhecido, como é mais amplo e diverso, debatendo, ao meu ver, temáticas políticas muito mais relevantes do que nos anos 90, ou começo dos anos 2000.
Bem, mesmo quando não trabalho em bienais, ou sou convidado a participar delas como autor, sempre tento visitá-las, justamente para entender quais os movimentos que o mercado editorial, e os autores independentes, revelam em suas vitrines. Eu também gosto de ver as pessoas, me perguntando, sempre, quem são elas e por que estão ali. As bienais continuam a ser os mais heterogêneos eventos literários que temos no Brasil, portanto nunca me surpreende quando as tretas, em especial políticas, acontecem em seus corredores.
Meu saldo da Bienal do Rio de Janeiro é muito positivo.
Gostei demais da curadoria. Gostei da organização do evento, de um modo geral.
Fui muito bem recebido e adorei ver os corredores cheios de gente passeando numa floresta de publicações.
Uma bienal faz parte da vida literária?
Sim! Sem dúvidas. As bienais e feiras do livro são importantíssimas.
Para aquelas e aqueles de nós que trabalham de alguma maneira no mercado editorial, que vivem cenas literárias, que produzem literatura, uma visita, por mais casual que seja, a uma bienal não é apenas um passeio. Há um componente de trabalho, o que é verdade para qualquer evento relacionado à vida literária.
A graça de eventos como a Bienal, para nós que fazemos livros, reside não só no encontro com leitores, mas também no encontro com os bastidores deste universo editorial. É quando reencontramos colegas, ou conhecemos pessoalmente autoras que admiramos, por exemplo. É quando rolam as fofocas, as trocas de contatos (eu mesmo acabei fazendo um contato com um possível projeto, através de uma conversa no saguão do meu hotel, com uma determinada pessoa, do mercado editorial, que é fã do Gótico Nordestino); cruzamos caminhos não só com os escritores, como também com profissionais que fazem parte de toda a cadeia produtiva do livro.
Eu gosto de todas as pessoas com quem encontro nos eventos literários? Não. Todos são meus amigos? Não. Eu conto nos dedos das mãos quem de fato é meu amigo neste universo. E aqui vai algo importante: a vida literária, seja a Sala de Autores de uma Bienal, ou aquele bar da moda onde rolou um lançamento de plaquetes de poesias, é um salão de convivência dentro do qual circulam regras de cortesia e interesses profissionais.
Eu vejo muita gente angustiada por criar expectativas de já ter encontrado Os Melhores Amigos Para A Vida, ou O Contato Profissinal do Agora-Vai da Minha Carreira, tudo isso após uma breve conversa educada em um evento literário. Na realidade, nem sempre é assim. E isso tudo é “falsidade” das pessoas? Não. É na verdade um baile de máscaras, com suas regras, suas aspirações, seus desejos, suas conveniências. Nada diferente de outros eventos sociais vinculados a todas as outras profissões que existem no mundo.
👻 Um trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas
Na minha disciplina da Pós-Graduação, este semestre, vamos debater adaptações cinematográficas de obras literárias brasileiras. Eu escolhi trabalhar com as adaptações do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, e de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Além das duas obras serem das minhas favoritas na literatura brasileira, eu também confessei à minha turma de mestrandos e doutorandos que os filmes, dos quais eu também gosto, foram escolhidos porque surgiram em um contexto muito afetivo, no qual eu era um estudante universitário.
Digo isso, porque minha antecessora nessa mesma disciplina escolhia trabalhar com filmes de décadas anteriores, muito vinculados aos tempos dela na juventude como aluna da USP. Interessante, não? Ontem, aliás, participei de um evento acadêmico, no qual muitas reflexões sobre a prática docente do ensino de literatura foram feitas, o que acentuou a crise que tenho vivido com relação à minha própria vivência como educador. Mas esta é uma conversa para outra hora, já me disperso aqui neste bate-papo com vocês, dando meus conhecidos arrodeios. De qualquer modo, digo muito isso para minhas alunas: se você, que dá aulas, não entra de vez em quando em uma crise produtiva, é possível que a vida docente não seja de fato para você. Além disso, não deixa de surpreender que parte de um currículo que ensinamos, o modo como lidamos com a ideia de currículo, seja marcado por uma autobiografia pedagógica.
Tudo isto para dizer que eu me peguei finalmente fazendo mais uma releitura das Memórias Póstumas. Se o plano inicial era reler trechos, ontem, após ler um gibi que adapta muito bom os contos de Machado, me animei tanto que decidi pegar o romance e seguir em frente até o final.
Compartilho, portanto, este trecho da obra-prima de Machado de Assis com vocês:
Quem diria? De dous grandes namorados, de duas paixões sem frio, nada mais havia ali, vinte anos depois; havia apenas dous corações murchos, devastados pela vida e saciados dela, não sei se em igual dose, mas enfim saciados. Virgília tinha agora a beleza da velhice, um ar austero e maternal (…) Não tinha a carícia lacrimosa de outro tempo; mas a voz era amiga e doce.
🪇 Lançamento de livro: Marcelo Maluf
Após a Bienal, o próximo evento do qual participarei é o lançamento do novo romance de Marcelo Maluf, cuja orelha tive a alegria de escrever. Gostei bastante do romance de Maluf, assim como gosto muito do seu romance anterior, A imensidão íntima dos carneiros. Já orientei um TCC sobre este romance, que também será relançado, após anos esgotado. Vencedor do prêmio SP de literatura, A imensidão estar fora de catálogo há tanto tempo é uma destas injustiças e contradições do mercado editorial que não me cansam de incomodar… mas tudo tem seu tempo certo.
Vamos nos encontrar por lá?
É sempre ótimo encontrar vocês por aqui. A gente se encontra de novo nas próximas semanas, ok? Quero, inclusive, retomar aquelas entrevistas com autoras(es) contemporâneas. Sugestões? Caixinha de comentários aberta.
C.
Gostei bastante, Cris. 🧡
Gostei do baile de máscaras