Linguagem Guilhotina #18 (V.2) -Toda viagem começa e termina dentro da gente
Em setembro e outubro, escrevo para vocês diretamente de Los Angeles
Entre os meses de setembro e outubro, esta newsletter ficará um pouco diferente. Escrevo para vocês diretamente de Los Angeles, onde vou morar por 40 dias. Estou aqui com uma bolsa de pesquisa da Capes e com o apoio da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atuarei como pesquisador-visitante no Spanish and Portuguese Dept. da UCLA. Além disso, estou na luta para finalizar dois livros, um de ficção, outro de não-ficção.
A materialização desta viagem foi longa. A data original dela teria sido dezembro de 2023, depois março de 2024, depois maio de 2024, depois agosto de 2024... De lá para cá, muita coisa deu errado e desencontros aconteceram; por outro lado, creio que estou aqui, finalmente, no momento no qual deveria estar. Volto ao Brasil em definitivo em outubro. Durante o tempo nos Estados Unidos, eu vou postar textos com um pouco mais de frequência. Portanto, acho que vocês terão mais textos meus do que o usual de 2 a 3 edições por mês. Além disso, convido vocês a acompanharem meu perfil no Instagram, porque vou postar fotos da viagem no feed e nos stories.
Esta newsletter nasceu enquanto eu aguardava a viabilidade de outra viagem aos Estados Unidos. No caso, meu pós-doc em Princeton, realizado entre março e agosto do ano passado. Escrevi alguns textos sobre minha experiência por lá e por NYC. Por isso, volta e meia vou linkar os textos antigos da minha vivência de 2023 também.
Toda viagem começa e termina dentro da gente
Assim que eu cheguei em Los Angeles, me veio a frase que dá título a este texto. A ideia dela é que uma viagem não diz respeito só ao deslocamento num espaço através do tempo. Pelo contrário, ela está totalmente vinculada a uma dimensão interior. Neste sentido, todo exercício de imaginação é uma forma de viagem.
O espaço e o tempo não fazem sentido se não se transformarem em uma experiência. A experiência, por outro lado, é uma criação da nossa subjetividade, do nosso eu, das nossas emoções, do confronto entre a matéria do presente com as nossas memórias e nossas vivências anteriores.
A melhor forma de aproveitar a experiência de viajar consiste em aprender como transformar uma viagem em uma narrativa. Contar a história não implica em escrevê-la, ou publicá-la, ou transformá-la em selfies sorridentes. A narrativa é formulada dentro de cada um de nós em primeiro lugar. O cerne da viagem é o que contamos de maneira difusa dentro do nosso peito; o cerne da viagem consiste em uma pulsação.
Eu quero muito agarrar a pura sensação que me escapa. Agora me surgem imagens de outras viagens: um belo rio no Sul da Bahia, santos barrocos em Ouro Preto, a praia nublada de Boa Viagem, um copo cheio de café em Princeton; esquilos, a emoção de mais uma livraria descoberta em Buenos Aires, as pedras do cariri paraibano, os mercados públicos em diferentes países e cidades.
Imagens heterogêneas, eu sei – imagens costuradas em torno do coração, que se alegra, sangra, se angustia, que sente medo e alumbramento.
Voo noturno
Sonho?
No voo de São Paulo para Miami, onde eu faria escala para chegar a Los Angeles vi as faces do dia e da noite. De um lado do avião – esta é uma lembrança real-observada ou real-sonhada? – o dia nascia com tons de cinza. Do outro lado do avião, onde eu estava sentado, ainda era noite. Como era possível um mesmo ponto da existência ser noite & dia?
A resposta era bem simples – e eu me gostava dentro dela.
Los Locos
Quando chego em algum lugar, eu começo a observar os doidos do bairro. Sempre presto atenção neles, bem como nas pessoas em situação de rua. Ao fazer o primeiro reconhecimento dos arredores onde ficarei boa parte da minha estadia em Los Angeles, identifiquei meu primeiro doido, que chamarei de Uncle Robert.
Trata-se de um senhor negro, que usa chapéu e veste uma camisa quadriculada por sobre a camiseta branca de malha. Ele arrasta uma malinha de mão para cima e para baixo da avenida Westwood Boulevard. Enquanto vaga, Uncle Robert conversa com suas vozes imaginárias. Durante mais de uma hora, eu também vaguei pela mesma rua. Cruzei com meu novo amigo ao menos quatro vezes.
Também conversei com minhas vozes imaginárias. Sim, preciso admitir que falo com frequência sozinho. Com quem converso? Comigo mesmo, ou melhor, com uma dimensão temporariamente afastada de mim, e com os personagens de ficção que o tempo todo nascem na minha mente.
O quão são é Old Robert e o quão louco sou?
Eu talvez saiba que o diálogo comigo mesmo é lúdico. Eu talvez tenha subido e descido a Westwood Boulevard com algum propósito. Não sou louco, alguém me consolaria, porque eu tenho um propósito na minha movimentação, porque eu sei que minhas vozes partem de mim. Estou descobrindo a rua, mapeando restaurantes e comércios...
Apesar disso, toda vez que Uncle Robert e eu nos reencontramos na caminhada, mais nele me reconheço.
Conexão
Eu deveria ter chegado em uma segunda-feira, mas só consegui chegar ao meu destino final, Los Angeles, na terça. Por ter perdido minha conexão, precisei dormir em Miami.
Fiz amizade no aeroporto com três brasileiros que ficaram em situação semelhante à minha. Uma psicóloga e sua filha, estudante de cinema, ambas cariocas, e um jovem advogado do interior de Minas Gerais. Ficamos os quatro no mesmo hotel, providenciado pela companhia aérea. Almoçamos juntos e, no dia seguinte, eu segui com a mãe e sua filha até o aeroporto, já que nosso destino final era Los Angeles (o advogado foi para Atlanta).
Enquanto conversávamos ao longo daquelas quase 24h de convivência, revelávamos pedaços das nossas vidas. Quem somos nós? O que fazemos da vida? Por que estamos aqui? Para onde vamos? O jovem mineiro, por exemplo, compartilhou comigo do seu plano de mudar de área dentro da advocacia. Em algum momento da espera, no embarque da Delta Airlines, para finalmente viajarmos até Los Angeles, mãe e filha compartilharam apelidos de família. Estas janelas abertas entre nós, isso foi também viajar.
Sabonete
Por fim, ontem, ao tomar meu primeiro banho no apartamento onde ficarei hospedado em boa parte do mês de setembro, localizado no bairro de Westwood, abri uma caixa de sabonetes da Natura. O cheiro dos sabonetes me remeteu a uma sensação gostosa de familiaridade. Eu poderia ter viajado sem ter trazido sabonetes, shampoo e condicionador brasileiros, já que não uso nenhum tipo de produto específico para meus cabelos. Poderia ter comprado algo na primeira pharmacy americana com a qual me deparasse.
No entanto, fiz questão, desta vez, de trazer estes produtos comigo.
Porque já estou voltando pra casa.
El Jabá triunfará - meu conto na Livraria Gráfica
A Livraria Gráfica é um projeto experimental da Lote 42, que publicou meu livro de contos lançado em 2018, Na outra margem, o Leviatã, e do estúdio Casa Rex. A proposta consiste em publicar livros bem artesanais, de pequena tiragem, e que estarão à venda no site do projeto por um período limitado de dias.
Participo, junto com os autores Ana Elisa Ribeiro e Yuri Pires, da edição mais recente do projeto. Os editores nos deram a fotografia acima, de um carro preto estacionado na frente de um celeiro, e nos pediram para, inspirados na imagem, escrevermos um conto cada um. O meu se chama “História concisa de destruição” e se baseia em uma narrativa escrita pela primeira vez por mim ali por volta de 2019. Trata-se de uma conversa que Lucas Motta, meu alter ego e que é um dos personagens do livro da Lote de 2018, tem com uma diretora amiga dele e que está dirigindo/produzindo um documentário sobre serial killers de Brasília e de Goiás. Este conto possui duas versões, cada uma com um título diferente. A segunda versão será publicada também este ano. Quando as duas forem lançadas, farei o já tradicional making of por aqui.
Ficou interessada(o)? Para encomendar seu exemplar, é só clicar aqui.
Nos próximos dias, farei mais crônicas sobre o que encontrarei em Los Angeles. Tentarei fazer textos concisos e fluidos de ler. Espero que vocês topem fazer essa viagem comigo. Quem já estiver por aqui, me fala do que achou de Los Angeles. Além disso, a fim de conversarmos nos comentários, proponho a seguinte pergunta: o que é uma viagem para você? Vamos continuar o papo por aqui, hein?
C.
eu sempre trago um cheirinho de brasil comigo tambem. e com frequência são sabonetes 😂
Ótimo texto .. fluido .. viajar e compartilhar momentos e vivencias curiosidades , sentir a vida do local, conversar com as pessoas ..s sentir a vida vibrando , amando ., agradecendo e muita gratidão por ter condições e oportunidade para tal ... abraços, luz e paz.