Linguagem Guilhotina #15 - Guilhotinando
Esta semana, compartilho dicas de leituras e coisas que tenho assistido, assim como alguns links legais.
Nesta edição da Newsletter, não tenho um tema definido, mas quero compartilhar com vocês algumas coisas que tenho assistido e lido.
Bora comigo?
🎙️ Blues for an Alabama Sky: primeira peça de teatro que vejo por aqui
A peça Blues for an Alabama sky se passa na década de 1930 no Harlem, em NYC. Ela foi originalmente escrita nos anos 90 pela poeta e dramaturga Pearl Cleage e me surpreendeu bastante o quanto os temas dela - fundamentalismo cristão, aborto, gentrificação, violência - são atuais. A peça mostra a vida de quatro amigos - uma cantora de blues falida, uma assistência social, um estilista e um médico - e como a amizade entre eles é abalada quando Angel, a cantora e protagonista, começa um novo relacionamento com um homem careta do Sul do país.
Pelo cartaz e título eu até pensei, assim que vi que a peça estava em cartaz, que se tratasse de um musical, mas, embora haja um belo número musical, ela é uma peça no sentido mais tradicional. Gosto dos atores, em especial o que faz Guy, o estilista. Este ator, por coincidência, é o narrador da série de livros do Murderbot, de Martha Wells, sobre os quais comentei na edição anterior. Tive a impressão de que os atores demoraram um pouco para “esquentar”, no sentido de que no início me pareceu que eles atuavam e não viviam suas personagens. Com o andamento das quase três horas da peça, porém, saí emocionado e satisfeito.
O espetáculo talvez tenha um certo problema de tom, porque boa parte dele soa como uma comédia e, no final, há um fato trágico, o que culmina com um final bem melancólico. Não sei, me pareceu que a dramédia poderia ter sido melhor dosada ao longo da encenação, contudo isso não faz com que Blues for an Alabama Sky deixe de ser uma ótima peça.
Vi o espetáculo aqui em Princeton no complexo cultural McCarter, que tem dois teatros, então foi ótimo também para conhecer mais um lugar bacana por aqui. Assistir foi um desafio, não só pela inglês em si, mas pelo tipo de inglês interpretado pelos atores, que reproduzia sotaque e vocabulários da época. Dessa forma, não captei 100% de todas as falas, mas deu para apreender uma boa parte. Havia também uma tela, na parte da direita do palco, com as “legendas”, o que me ajudou.
Abaixo, no link, tem algumas cenas da montagem que assisti:
🎬 Cristhiano, me dá umas sugestões de uns Terror bom?
Vossos pedidos são uma ordem! Aqui vão algumas coisas interessantes para assistir.
Folklore (HBO): trevosidades asiáticas
Este seriado eu assisti meses atrás. Não recordo se foi no ano passado ou no começo deste… A série é uma antologia, ou seja, cada episódio é uma história autônoma. A proposta de Folklore é aproveitar o folclore de diferentes países asiáticos para criar histórias de horror. Infelizmente, somente a segunda temporada estava disponível na época em que vi. Não sei se isso mudou, porque minha conta da HBO não funciona aqui nos Estados Unidos.
Eu recomendo bastante. Os episódios variam do mediano ao excelente. O que é legal é o fato de que cada episódio é feito pela equipe do país cujo “monstro” folclórico foi utilizado. A segunda temporada contou com episódios do Japão, Tailândia, Taiwan, Filipinas, Indonésia, Singapura e Malásia. O melhor de todos é o episódio de Singapura, uma história delicada sobre luto, fantasmas e infância. Foi o episódio com o qual eu mais senti afinidade criativa, também. Há uma ideia ali que vou roubar que vou usar como inspiração.
O véi Cronenberg não te decepcionará
Aos poucos, tenho revisto, ou assistido pela primeira vez, os filmes do canadense David Cronenberg, cujo filme mais famoso, até hoje, deve ser a obra-prima do horror corporal A mosca. Numa das primeiras edições desta newsletter, eu comentei o seu filme mais recente, Crimes do Futuro, do qual gostei muito. Aliás, A mosca é um filme que vi na infância (por que os adultos, nos anos 80/90, faziam isso com os infantes?) e me traumatizou totalmente.
Eu tenho me interessado muito pelo cinema de Cronenberg, em especial pela sua fase sci/fi-horror, a minha favorita. Eu gosto de como ele lida com horror corporal e sexualidade; além disso, me interessa a ficção científica dele, na qual ele entrelaça tecnologia e biologia.
Assisti, nos últimos meses, Scanners, Videodrome e eXistenZ (este último, pela primeira vez). Paranoias, sexo não convencional, metamorfoses, tecnologia e o estatuto da realidade são temas que atravessam estes filmes, porém penso que um outro tema, o que mais me interessa, seria este: quais os limites da ideia de humanidade? O que é “humanidade”? Estamos caminhando para um estágio “pós-humano”?Assim, indico os três (além de Crimes do Futuro) e devo rever por estes dias Dead Zone também. Ah, e também vi e gostei do novo do filho dele, Infinity Pool. Cronenberg Jr segue seu painho e cria umas coisinhas dodói da cabeça - amamos.
Meia-noite encarnarei no teu jabá: uma nova edição do Frankenstein, da Antofágica, com posfácio meu
A Antofágica é uma editora muito querida pelas minhas alunas e alunos. Ela conseguiu um espaço muito próprio fazendo edições bem bonitas de clássicos da literatura nacional e estrangeira. Para além das belas edições, os textos contam com paratextos e links para aulas sobre cada obra. Está nesse momento em pré-venda a edição do Frankenstein e tem um ensaio meu nela. No meu texto, que escrevi aqui nos Estados Unidos, eu falo um pouco do quanto o romance deve ser lido no contexto tanto do gótico, quanto da ficção científica e do horror. Além disso, penso na contemporaneidade do romance. O quanto somos uma sociedade frankensteinizada? A tentativa de resposta vocês podem conferir em meu texto.
🧐 Alguma boa leitura sobre Escrita Criativa?
Existe todo um mercado aqui nos Estados Unidos voltado para a Escrita Criativa, a ponto de alguns dos principais manuais de escrita, assim como alguns dos vícios e cacoetes desta área, terem sua origem aqui. Muitos dos cursos da área voltados para a escrita são calcados nos programas estadunidenses. Tenho visto nos últimos tempos oferecimentos de cursos de Marketing para Autores com uma visão bem agressiva e cheia de promessas - mais uma vez, a fonte é os EUA.
Políticas públicas para literatura, bolsas de criação, oficinas literárias, manuais de escrita são úteis, importantes e contribuem para todos nós nos profissionalizarmos. Isto também ajuda a aquecer economicamente o mercado editorial. Há vinte anos, quando eu já acompanhava a literatura contemporânea e alimentava o sonho de uma carreira, essas coisas ainda soavam no Brasil como novidade e eram alvo de intenso preconceito. Lembro de matérias na Veja, ou de crônicas escritas por escritores contemporâneos então supostamente famosos (a maioria já está esquecida, ou alimenta seus ressentimentos por aí), condenando todas essas iniciativas. “É possivel ensinar alguém a escrever?”- essa pergunta, hoje tão banal, alimentou pautas e pautas no jornalismo e em sites.
Pois bem: um livro interessante sobre escrita é este de Sarah Stodola. Ele não está traduzido, mas é possível ler de graça no Kindle, ou encomendar uma cópia por um preço não tão proibitivo. No livro, Stodola faz uma síntese de dezenas de entrevistas e de diários de escritores como Virginia Woolf, Kafka, Philip Roth ou Zadie Smith. Assim, cada capítulo é um relato jornalístico da rotina de criação de cada escritora/escritora pesquisado. Temos acesso aos hábitos de escrita, às rotinas, às inseguranças… Achei uma leitura rápida, divertida, esclarecedora. Gostei também porque o ângulo é menos na técnica e mais no “como Fulana faz a coisa?”.
Gostei da conversa hoje. Me contem nos comentários o que têm lido e assistido, que tal?
Para a próxima semana, creio que já tenho um tema, vou tentar me preparar. O tema é: alguns lugares mal-assombrados de Princeton. O que acham?
Até logo!
C.
uma das coisas que mais sinto falta de livrarias daí são esses livros, voltados pra escritores. inclusive, os que nunca usarei, “os segredos de escrever comédia” e por aí vai... (se bem que sempre seria bom aprender os mistérios da comédia...)
Do Cronenberg eu gosto muito de "Spider", que não é bem um terror, mas um suspense psicológico bem esquisito e interessante. E a atuação do Ralph Fiennes e da Miranda Richardson, nossa...