Linguagem Guilhotina #12 - O festival literário da Pen America - Parte I
Nesta edição, compartilho impressões sobre o World Voices Festival. Vou dividir a conversa em três partes.
World Voices Festival
Eu soube que este festival literário aconteceria poucos dias depois que me mudei para Princeton. Logo anotei na agenda as datas do festival. O plano inicial era acompanhar mesas em todos os quatro dias do evento, mas as demandas de trabalho por aqui, assim como o custo financeiro, não me permitiram. No fim, acompanhei as mesas da sexta e do sábado presencialmente e a mesa de abertura, na quarta-feira à noite, pelo YouTube. E isso já foi ótimo!
O World Voices Festival é organizado há anos pela Pen America, associação de escritores que não só tem uma relevante premiação literária, como também desempenha um ativismo importante na defesa da liberdade de expressão. Antes que as mesas começassem, um mestre de cerimônias apresentava o tema da mesa, seus participantes e, em seguida, lembrava que em 2022 ao menos 300 escritores, em todo o mundo, foram censurados ou presos devido aos seus escritos.
Vocês podem checar a programação completa aqui.
O tema da newsletter de hoje é: o que achei do evento? Como funciona um evento literário nos Estados Unidos?
Vou comentar por dia e mesa.
Como pode ficar meio longo, decidi dividir em três partes.
Antes de tudo: para que serve um evento literário?
Esta é sempre uma pergunta válida. Eu saí de São Paulo precisando dar um tempo dos eventos literários. Isso tem a ver com ter participado/assistido vários ano passado, tanto presenciais, quanto online. Não me entendam mal. Devem existir tantos eventos literários quanto for possível, ainda mais em um mundo pós-pandemia. Se eu pudesse, gostaria de participar, seja como ouvinte, ou como autor convidado, de todos. O problema não são os eventos em si, mas a minha necessidade de uma bem-vinda pausa. De certa maneira, é isso que é também fazer um pós-doc fora do seu país, ou da sua cidade. Como meu supervisor, Pedro Meira Monteiro, me disse quando nos conhecemos pessoalmente ainda em São Paulo: um pós-doc é uma forma de respiro.
Quero dizer a vocês o que eventos literários não são: lugares de aprendizado “profundo” sobre literatura. Um evento literário é um momento de encontros entre autores e leitores. Além disso, pode ser um momento inspirador pra gente entender diferentes carreiras e pensar como a jornada do colega se relaciona com a nossa própria. É o lugar no qual diferentes formas de viver a literatura se encontram. Não significa que não possa existir em um evento debates profundos. Mas a sua razão de ser não é esta. Trata-se de uma festa e, como toda festa, marcada por performances (algumas boas, outras ruins).
Uma função interessante de um evento literário é que ele pode te ajudar a definir leituras. Ou a conhecer melhor o que um autor, ou autora, que você não conhecia, ou que você só conhecia pelo nome, tem a dizer. Neste sentido, o Pen foi bem bom para mim, porque colocou no meu radar nomes sobre os quais quero prestar mais atenção.
Qual expectativa devemos ter em um evento literário?
Não sairemos de um evento PhDs em literatura. Da mesma maneira, não será em um evento (geralmente) que você vai conseguir aquele contrato para o seu manuscrito na Editora-Dos-Seus-Sonhos. Frequentar eventos literários com assiduidade também não carimba para você o passaporte da Glória Literária, ou te coloca no topo da fila de espera do Agora-Será-A-Minha-Vez-De-Brilhar. Um evento também não garante que você vai trombar com um agente literário, nem te promete amizade genuína com escritores.
Eu acredito que o movimento de ir a um evento literário deve ser regido pela seguinte palavra: curiosidade. E, no fim das contas, tentar ficar de boa.
Mesa 1 - A abertura
Na mesa de abertura, que assisti pelo YouTube (era preciso pagar para assistir, mas creio que está liberada agora para todo mundo), Ottessa Moshfegh convidou duas escritoras e um escritor para debaterem sobre o tema “Por que escrever?”. No entanto, a conversa entre a mediadora, Akhil Sharma, Min Jin Lee e Rachel Kushner não funcionou bem para mim. Tive a impressão de que os quatro estavam em sintonias muito diferentes. Aconteceu também de Sharma fazer duas piadas um tanto politicamente incorretas e que talvez tenham deixado todas e ele próprio um tanto desconfortáveis.
Não revi a mesa, mas tive a impressão de que uma pauta, direta, ou indireta, atravessou as falas das autoras e do autor: a negociação entre o espaço de liberdade do que dizer e os limites disso. Também me chamou atenção a postura bem humilde e autocrítica de Sharma sobre sua própria escrita, contrastando com a ultra-confiança de Kushner em relação a si mesma e ao que escreve. Senti uma honestidade em Sharma… E as suas piadas não foram totalmente infames.
De qualquer forma, é uma conversa que pretendo rever.
As três autoras e autor são nomes bem reconhecidos nos Estados Unidos. Quase todas foram traduzidas para o Brasil; creio que livros de Min Jin Lee e Moshfegh tiveram um impacto no Brasil em anos recentes.
Fiquei curioso, em especial, de ler algo de Moshfegh. O modo como ela articulava as perguntas e as respostas me chamou atenção. No site da Pen America, aliás, há uma entrevista com ela.
Qual era o perfil de composição das mesas? Havia convidados de outras línguas que não o inglês?
O Pen World Voices está em sintonia com o debate sobre diversidade e identidade que pauta boa parte do meio literário, acadêmico e editorial atualmente.
Eu considero este movimento positivo. Na diversidade atual, a quantidade de literatura boa é muito maior do que a de literatura ruim. Maior diversidade literária, para mim, significa, portanto, acesso a mais leituras bacanas. O festival da Pen tem esta preocupação, a de colocar uma grande diversidade de identidades na mesa do debate. Tal diversidade de autorias se reflete nos livros que se encontram em destaque nas livrarias que visito, seja em NYC, ou Princeton.
Há outro foco no Pen World Voices, em termos das escolhas curatoriais: incluir na programação autores e autoras estrangeiros que não morem nos EUA e que não escrevem suas obras originalmente em inglês. Uma das diretrizes curatoriais do festival, e a organização deixa isso explícito, é esta. Por que isto é importante? Porque o mercado dos EUA, embora gigantesco, é bastante fechado em sua própria produção. De modo geral (descobri uma exceção em NYC na livraria que visitei no meu aniversário, em outro post falo dela), quando entramos em uma livraria aqui, é possível contar nos dedos os livros traduzidos em destaque. Isto vale tanto para ficção, quanto para não ficção. O mesmo é verdade quando entramos em uma biblioteca pública: os destaques serão, segundo o DataCris, entre 70-90% de literatura escrita em inglês e/ou por americanos/moradores dos EUA.
No Brasil, isto é um tanto diferente. Os autores nacionais, com exceções, continuam a ser o segundo escalão de muitos festivais. Da mesma forma, não são poucas as livrarias que colocam livros escritos por brasileiros ali meio que na segunda parte da loja, deixando a maior parte da linha de frente das vitrines para obras traduzidas. O amor e carinho que muitos influenciadores brasileiros na internet dedicam à literatura traduzida, em especial de língua inglesa, nem sempre tem equivalente quando estas mesmas pessoas produzem conteúdo (isso se produzem) a respeito de obras nacionais.
Gosto demais de entrar em uma livraria brasileira e sentir que estou me comunicando, através dos livros, com muitas vozes instigantes ao redor do globo. No entanto, se um país não valoriza e apoia os seus próprios livros, não serão os outros países que o farão. Acredito que EUA e Brasil precisam de maior equilíbrio nesse sentido, embora os sinais do mercado dos dois países estejam trocados.
Qual era o público do festival?
Fiquei pensando muito sobre essa pergunta.
Os eventos literários têm um problema crônico de serem elitistas. O acesso a eles é muitas vezes excludente. Mas diversos eventos no Brasil têm se preocupado seriamente com isso, implementando políticas de inclusão, além de preços mais acessíveis.
A maior crítica que eu faço ao Pen World Voices é esta: os ingressos são caros. E não há nenhuma ação efetiva de acessibilidade, também. A tradução das mesas por intépretes de Libras, prática que tem se tornado comum no Brasil, simplesmente não existiu na mesas que assisti, por exemplo.
Quanto ao público em si, o seu tamanho é exatamente igual ao da maioria dos eventos literários no Brasil. Ou seja, as mesas não possuem um público de milhares, mas de dezenas de pessoas. Como nos eventos brasileiros, a faixa etária me pareceu ser duas predominantes: 20 e poucos até os 40 e poucos, por um lado; pessoas acima dos 60, por outro. Ao comentar cada mesa, darei mais detalhes sobre o que percebi do público.
Próxima semana, portanto, comento com vocês as três mesas restantes e o que achei delas.
📺 O que estou assistindo?
Animes! Tenho visto vários nas últimas semanas. Como tenho escrito e lido muito, os animes me ajudam, no fim das noites, a criar um respiro mental antes de eu dormir. Acho que vale no futuro escrever sobre minha relação com os animes, hein? Gostei de assistir Chainsaw Man, Demon Slayer, Jujutsu Kaisen (me tornei um espectador assíduo de animes de lutinha! O que está acontecendo…?!) e agora tenho assistido Dorohedoro. Também tentei ver um das antigas, da minha época, Record of Lodoss War, mas não fui adiante, acho que envelheceu mal. Nem sempre curto o humor japonês, ou certa moral que existe nos animes, em especial na caracterização de personagens; por outro lado, há uma bizarrice maravilhosa neles, além de muito a aprender sobre como criar personagens cativantes. A dimensão visual dos animes também me cativa. Estes que assisti têm algumas cenas e universos deslumbrantes.
🪓 O que estou escrevendo?
Contos, ambos ambientados aqui em Princeton. Não adianta, eu acabo sempre absorvendo os lugares pelos quais passo. Um deles vocês conseguirão ler logo mais, o outro não faço ideia se publicarei no curto ou médio prazo. Além disso, não satisfeito em ter colocado de pé a primeira versão de um livro de ensaios sobre literatura brasileira, este que vos tecla está pensando em um segundo manuscrito de ensaios, desta vez apenas sobre o tema Bíblia e Literatura. Tenho feito publicação na área há pelo menos quatro anos. O que acham do tema? Haveria público, interesse? Vamos ver o que acontece. Com os dois manuscritos de pé, eu vou pensar sobre o que fazer.
🤓 O que tenho lido?
Fiquei encantado com Terráqueos, de Sayaka Murata. Finalizei a leitura muito feliz por ter conhecido uma nova autora, da qual já sou fã. Senti bastante afinidade com a escrita dela. Tammy, em seu canal, fez uma ótima leitura deste romance, traduzido pro português por Rita Kohl. Em seguida, tentei ler Nós somos a cidade, de N.K. Jemisin. Tinha tudo para gostar, mas não funcionou para mim. Decidi largar nas primeiras dezenas de páginas. Jemisin é uma autora de Fantasia e Sci-Fi muito importante aqui nos EUA e sei que ela tem um bom público no Brasil. Eu consigo ver a originalidade dela, a pertinência dos debates políticos que ela propõe em sua obra, mas a escrita sempre empaca. O outro romance dela que li foi A quinta estação. Gostei? Sim. Na verdade, não sei se faz sentido, mas eu mais admirei o projeto do romance, do que curti a leitura. Enfim, me contem o que vocês acham de Murata e Jemisin nos comentários!
Na próxima edição, continuamos a conversa sobre o World Voices Festival. Muito obrigado por estarem por aqui. E grato pelas mensagens de aniversário!
Abraços,
C.
Tem uma livraria de NY que quero conhecer que se chama Yu And Me. Eles são especializados em livros de autores asiáticos e imigrantes em geral. Deve ser um lugar com mais livros traduzidos que a média: https://www.instagram.com/yuandmebooks/
Se você der um pulo lá, aproveita e come uns soup dumplings por mim no Shanghai 21, que fica na quadra ao lado ;)
Muito boas observações sobre a natureza de um evento literário! É exatamente isso! Fiquei bem interessada nos ensaios sobre literatura brasileira. E sobre a Jemisin, eu tenho muito a dizer sobre os dois livros (que também são os que li dela), mas prefiro fazer isso numa mesa de bar hehe