Linguagem Guilhotina #11 - 🥳
Edição na qual eu faço aniversário e falo sobre aniversários
Hoje é quinta-feira, dia em que geralmente envio a newsletter para vocês. Por coincidência, é também a data do meu aniversário.
Este ano faço 42 anos e, como acontece talvez com quase todo mundo, a época do aniversário me faz pensar sobre o tempo. “Você sente ter 42 anos, Cristhiano?”. Depende. Claramente, por exemplo, a condição física não é mais a de uma pessoa com vinte anos, em especial porque sou um ser humano sedentário (promessa de todo aniversário: desta vez, sim, vou me engajar em exercícios físicos. O problema é que eles são muito físicos… 🤡). Fui terrivelmente lembrado disso nas minhas primeiras semanas em Princeton, quando tive três doenças em sequência, assim que cheguei. A pior de todas foi uma grave crise na lombar, que me deixou de cama durante bons 4 dias.
Não saberia dizer a vocês o que significa a frase “quatro décadas se passaram".
Fico pensando que só sentimos a passagem do tempo quando somos surpreendidos pelo tempo. De repente, olhamos ao nosso redor e o tempo passou. De repente, não sou mais um garoto, e sim um homem de meia-idade. Sou um professor universitário com quase 10 anos de carreira contínua na educação. Ano passado, na simbólica data de 40 anos de idade, obtive pela primeira vez uma ótima repercussão com minha literatura. Procurando fotos para ilustrar esta postagem, fiquei surpreso em como o meu cabelo e minha barba acinzentaram de 2015 a 2023.
É só o contraste que me dá a medida das mudanças. Continuemos na fotografia. Cada foto que olhei no meu celular é uma síntese de momentos da minha vida. Estas sínteses são comparadas com a minha autoimagem mental, bem como com o rosto que encontro todos os dias no espelho. As sínteses, que nascem não só das imagens, mas também dos vestígios que nossas ações deixam pela caminhada da vida, são pontos de referência para narrarmos a nós mesmos. Na narração, há compreensão. Há, quem sabe, sabedoria.
Não damos conta das minúcias da passagem do tempo, porque somos adaptáveis. Ainda bem: o esquecimento é sinônimo de saúde física e mental. Seria difícil viver se tivéssemos que sentir a estranheza de cada mudança que acontece na nossa vida e no mundo. Vejam, em 2023, completo 8 anos como professor do Mackenzie. Oito anos! Sou incapaz de comprimir todo este tempo em uma sequência linear e pesá-lo na balança. Não é possível. Não seria, suspeito, desejável viver cada filigrana da experiência histórica da nossa jornada pelo tempo.
Para isso existe a arte, não é?
Exatamente.
A arte cria construtos de experiências individuais e coletivas. A partir da arte, a gente consegue organizar a si mesmo. O legal é que a arte tem a generosidade de nos emprestar experiências. Com isso, ela nos lembra: não estamos sós. Além do mais, produzir arte, e não apenas consumi-la, pode ser importante. Eu acredito que a criatividade é um traço inerente a todo ser humano. Não significa que você precise seguir uma carreira artística, como eu. Criar, no entanto, sempre tem alguma dimensão estética. É possível criar discretamente. É possível criar esteticamente sem que haja pretensões artísticas em jogo. Tudo isso faz um bem danado.
A arte e a criatividade foram uma das grandes respostas humanas ao desafio do tempo. No fluxo temporal, que é correnteza, que é um laço, que é um círculo, a arte nos mantém coerentes.
Hora de ler um poema de Drummond, agora
Vejam que boniteza esse poema de Carlos Drummond de Andrade. Acho que ele tem tudo a ver com a nossa conversa.
A Casa Do Tempo Perdido
Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.
Bati segunda vez e mais outra e mais outra.
Resposta nenhuma.
A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando
pela dor de chamar e não ser escutado.
Simplesmente bater. O eco devolve
minha ânsia de entreabriresses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e bater.
O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado.
Bonito, hein? Acho que ainda bato bastante no portão do tempo perdido.
E como vai comemorar seu aniversário?
Sozinho. Mas não tenham pena de mim, estou de boa. Há anos não comemoro aniversário, não junto ninguém, me sinto sempre inconveniente quando penso que as pessoas vão ter que deixar suas rotinas, seus filhos, ocupações, só porque eu nasci naquele dia, quatro décadas atrás. No máximo, janto com meus pais e minha irmã. Quando vocês receberem a newsletter, estarei no trem a caminho de New York. Vou passar o dia passeando por lá. Vai ser legal. Meu plano era até passar mais dias na cidade, mas os preços de hospedagem estão tenebrosos. Por algum motivo, a semana do meu aniversário é a mais cara de todas que vi em tempos recentes. Além disso, no fim de semana passado gastei um bom dinheiro me hospedando em New York (em um hotel meio ruim e caro, mas barato para os padrões de lá) para conferir algumas mesas do Pen World Voices Festival, cujos ingressos também foram salgados. Eu fiquei comprando as mesas individuais e só depois vi que havia um passe que te dava acesso a todas. Vivo vacilando deste jeito.
Então, na semana do meu aniversário, comprei um vinho bom e barato, segui para NYC, fiz uns passeios, jantei em algum lugar legal perto do hotel e voltei para Princeton. Está ótimo.
É sempre muito bom fazer aniversário. E vocês, curtem a data, ou preferem se esconder do mundo? Me contem.
A gente se encontra próxima semana.
C.
Feliz aniversário, Cris! Um mundo de coisas novas para você, aí no além-mar.
Adoro fazer aniversário! Muita sabedoria e poucas dores lombares nos anos vindouros. E muito outros bons livros ⭐️✨