Em um dos meus jantares de despedida de Los Angeles, fui em um bar de vinhos com minhas amigas Mila & Bárbara, que moram lá há vários anos. Bar focado em vinhos é a segunda forma de entretenimento adulto favorita deste escriba, atualmente. Nos Estados Unidos eu gosto do fato de que esses bares focados em vinho possuem de modo geral uma opção boa de taças, cuja qualidade da preservação da bebida também me chama atenção.
No Brasil, mesmo os lugares que se chamam bares de vinho terão poucas opções de taças disponíveis, quem sabe por questões econômicas, colocando o foco na venda de garrafas. Tudo bem, mas isso torna a ida, no Brasil, aos bares de vinho algo mais proveitoso se for coletivo, o que pode frustrar um lobo solitário como eu que adora tomar um vinhozinho sozinho, mas sem encarar uma garrafa (passei dos 40 e meus estômago, fígado e demais órgãos cansaram do estilo sexo vinhos e rock and roll).
No entanto, como disse, hoje em dia sair para comer e tomar vinhos em um lugar com uma carta legal, sem frescuras, com personalidade e bom custo benefício me anima demais. Estes critérios são os fundamentais para eu gostar de um bar de vinho, porque eles me remetem à principal característica dos vinhos: alegria.
Sim, alegria. Porque antes de serem, sei lá, sofisticados, elegantes, chiques, tomar um vinho que te agrada é um ato de alegria. Sozinho, ou acompanhado. Esta alegria, como quase tudo, eu aprendi primeiro com a literatura, em especial com tantos e tantas poetas que louvam o vinho, de Horácio a Hilda Hilst. Daí, é a informalidade de um bar que me traz à tona sempre a alegria de um vinho.
Aliás, deixo a sugestão, para quem mora ou visita São Paulo, do bar de vinhos que mais frequento: o Prosa e Vinho, localizado no centro de São Paulo, próximo de onde moro. Vale passar por lá, cuja cozinha agora está vinculada a um restaurante nordestino e a um restaurante acreano, ambos localizados na galeria onde o bar fica.
Mas começamos a falar de vinho e eu já me disperso.
Voltando a Los Angles: o wine bar se localizava em uma esquina compartilhada entre uma avenida e uma rua mais residencial. Fazia frio. Névoa caía sobre a cidade, dando a ela um clima noir. Por causa da névoa, escutei, na minha mente, aquela trilha sonora de jazz dos seriados policiais californianos, um jazz no limite do cafona, algo entre filmes pornô e Sherlock Holmes. Lembro de ter falado para as meninas, tão logo cheguei, o quanto eu sentia aquilo como muito “Los Angeles”. Não só por causa da noite nublada (poucas noites são tão bonitas quanto as nubladas, nas quais enxergamos apenas as silhuetas de uma cidade), como também pela horizontalidade ao nosso redor.
Los Angeles, como escrevi por aqui anteriormente, se espalha por quadras e quadras, avenidas e avenidas. Ela é infinita e solar, por isso me foi, em algumas ocasiões, angustiante. Suas calçadas são longas, seus quarteirões, largos, como se a cidade tivesse brotado a partir de óleo queimado e motores, e não dos braços e pernas que a construíram. Los Angeles é, além disso, muitas cidades numa cidade só. Todas as grandes cidades são assim, você pensa. Concordo em parte. No caso de Los Angeles, os pedaços de cidade que a compõem são mais heterogêneos do que a média. Neste sentido, a cidade me lembra uma técnica frequente usada pelos meus amados artistas surrealistas: a colagem.
Defino Los Angeles desta maneira, uma cidade-colagem. Um sonho-pesadelo reconhecível para um latino-americano, encravado no país mais delirante do planeta.
Olhando a catástrofe da eleição americana, que leva de novo ao poder um farsante como Donald Trump, me peguei pensando, junto com amigos, sobre o dado de que o republicano venceu com bastante contribuição do voto de imigrantes e filhos de imigrantes. Não vou comentar minhas hipóteses a respeito, em especial baseadas no que vi nas minhas três oportunidades morando nos Estados Unidos. Aliás, pensei já em abrir uma “editoria” aqui no Linguagem Guilhotina para escrever sobre fatos políticos, mas no fim das contas acho que é melhor deixar este espaço mais pessoal, lúdico, literário no sentido clássico da ideia.
Sobre imigrantes: nós, que nos mudamos para outros lugares, em especial outros países, nunca deixamos de viver uma existência-amálgama, ou seja, uma difícil justaposição de dois espaços semi-imaginários - o país que largamos e o país no qual passamos a viver.
Nesses quarenta e poucos dias vivendo em Los Angeles, não houve um só deles no qual a Califórnia não se misturasse, na minha vivência, a São Paulo e ao Nordeste. Meus assuntos pendentes, sejam no amor, ou no trabalho, viajaram comigo. A existência-amálgama da condição imigrante se tornou mais forte em tempos de internet e de redes sociais. Quando meus pais moraram na Alemanha nos anos 80, eles gravavam fitas cassete com relatos sobre Berlim e as enviavam aos parentes pelo correio. Ou mandavam as tradicionais cartas, às quais anexavam fotos ou cartões-postais. Houve um tempo, não tão distante assim, no qual a informação sobre a experiência estrangeira se deixava incorporar pela distância de uma viagem, cujas repercussões ecoavam no próprio tempo a ser vivido.
No entanto… Mesmo com tantas tecnologias, nem tudo é rápido, ou simultâneo.
Não sei se comentei com vocês, mas por causa do fuso horário o Brasil desligava para mim a partir das 20h (horário LA). No horário de São Paulo, seria por volta da meia-noite. Logo, depois das oito da noite, eu conseguia imaginar meu Brasil pessoal apagando suas luzes, fechando os olhos, repousando… Nessas horas, confesso a vocês ter sentido uma solidão diferente, que neste momento sou capaz de nomear apenas como “incontornável”.
Espero que tenham gostado de mais um relato de viagem de Los Angeles. Foi bem interessante esperar semanas para escrever sobre a cidade. Ainda tenho algo a dizer sobre ela, quem sabe. Até próxima semana!
C.
Eu adoro ler crônicas, diário de viagem, qualquer coisa sobre cidades! É sempre curioso conhecer um lugar sob a perspectiva de uma pessoa.
Em 2025 serei eu a ir a L.A.