O que você realmente aprendeu com o amor em 2024?
Vamos começar pela ideia básica da nossa conversa de hoje: o amor é você.
Estamos, suponho, perdidos num labirinto feito de nossas paixões, sempre um bocado estranhos para nós mesmos. Seguimos, você, eu, nós todos, à procura do fulgor original, daquele brilho, quentinho, que nos acolheu pela primeira vez. O brilho é impossível de capturar, ou de reviver. Ainda assim, seguimos à procura. Desconfiamos que o brilho possa se esconder em um espelho partido, que sempre está fugindo de nós tal qual o anjo que tanto fascinou Walter Benjamin. Nós encaramos o espelho partido e corremos em busca dele. Enquanto procuramos, vamos nos desencontrando na pessoa que desejamos, escondida ali no espelho.
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No espelho partido, o amor é você e é quem você deseja.
Semana passada, me vi desejado por uma mulher. Vale repetir a frase: “me vi”. Uma alma romântica, como descobri ser a minha, é levada a acreditar que o amor é uma força à parte de tudo… Fui levado a crer que o amor seria primeiro forjado a dois (ou, no mínimo, a dois), seria um construto simultâneo que se ergue no momento em que o encontro se consuma. Há verdades nessas ideias. Mas este ano eu entendi que o amor em primeiro lugar sou eu. Quando eu vi o rosto daquela mulher diante de mim, eu me vi me vendo em seu desejo. Nela, em me reencontrei partido, insuficiente e à procura.
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Não sei a opinião de vocês, mas para mim o amor dá um trabalho danado.
Falo de amor e não daquela trepada do Bumble; nem daquele “vou levando as coisas aqui com ele enquanto espero pra ver se Algo Acontece”. Amor é trabalho. E depois de um tempo, de uma certa idade talvez, depois de tantas desilusões e cicatrizes, não temos mais tanta paciência para este tipo de trabalho. Mas ele é importantíssimo. Sem se dispor ao trabalho, não dá para reaprender a amar.
Na verdade, suspeito que o trabalho é o sintoma de um amor. Se eu não te amo, eu não vou trabalhar com você por nós. Pelo contrário, eu vou buscar apenas o mais vantajoso, confortável e seguro para mim. Ainda queremos trabalhar? Porque o amor desgasta, machuca, me torna vulnerável; o amor implica em negociar, compartilhar e sofrer. Mas se for para vivê-lo, temo que não há escapatória que não seja a de sujar as mãos.
Dentro do trabalho do amor, um dos principais ofícios é o de construir a casa. Ela não precisa ser literal. Pelo contrário, “casa” é minha metáfora para a vida a ser compartilhada no laço do amor feito entre você e eu.“Casa” não é morar junto, nem casar. Pode ser também, se isto fizer sentido para você. “Casa” significa a história da qual somos partícipes, eu e você, você e eu. Construímos a nossa casa tijolo após tijolo. Cada casa é única. Cada amor é incomparável, mesmo quando o comparamos ao revisarmos nossa trajetória. Somos impermanentes, somos tecidos de singularidades. Além disso, o tempo não é importante. A casa pode ter durado um mês ou vinte anos. Cada casa terá sua exata e justa medida, não importam tempo e valorações.
E agora, trago o que se esconde nas sombras.
Porque quando a casa se desfaz, bom, ainda é amor. Freud, ao falar das nossas emoções, é em português traduzido através de uma palavra maravilhosa: ambivalência. O amor é ambivalente; a casa que se constrói, também. Te odeio. Estou chateada. Estou com raiva. Fiquei magoada. Estou ferido. Dói.
Freud apontou a ambivalência e Camões cantou o paradoxo do amor, centenas de anos antes que o pai da psicanálise descobrisse a palavra que me encanta. As religiões, várias delas, nos ensinam com sabedoria que muitas Entidades possuem uma face solar e outra face noturna. Algum amor, nem sempre romântico, nem sempre apaixonado, nem sempre com tesão, mas amor ainda assim, algum amor habita as sombras, habita o negativo, o que faz doer.
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Por isso, é preciso desmontar a casa, tijolo a tijolo, por os móveis à venda, tirar os quadros da parede, visitá-la nos dias em que tínhamos melhor vivido nela, reviver os dias, hoje vazios, mas que foram multidão. Cada dia significativo deve ser revivido de forma nova e deve ser renomeado. É o amor que te guiará em mais este trabalho. Quando o amor deixa de se fazer presente? Quando a casa foi toda desmontada, quando há só um pedaço vazio de terra. O oposto do amor nunca será o ódio. Como poderia ser? O oposto do amor é a indiferença. É ela que o coração enamorado mais teme. É na indiferença que o amor se faz deserto. Por outro lado, não sei se existe uma indiferença completa. Volto a isso logo mais.
Nada está garantido quando uma relação amorosa acaba. Nem o próprio término! Quantos casais eu não vi reatarem? Nem um novo amor garante o fim do anterior.
Nada está garantido.
Exceto uma coisa. E ela é muito, muito bonita.
Chama-se memória.
Aquele amor é você, recorda? Ele enriqueceu (e atormentou) a sua caminhada. Você não consegue arrancar a experiência do amor do seu peito. Você não consegue não contar a história. Você pode sublimá-lo. Recalcá-lo. Trancá-lo no armário junto dos outros bichos-papões. Aquele amor te constitui. Nem tente fugir. Ele te constitui para o Bem e para o Mal. O mais incrível é que isso vale para a outra pessoa. Mesmo que ela te esqueça totalmente (ela poderá sim te esquecer) você estará lá. No beijo, no sexo, no carinho, na briga, no término e no recomeço.
Com a vida, eu aprendi a seguinte lição: os amantes sempre estão ajustando as contas. Mesmo se forem amigos após o fim. Mesmo se continuarem juntos. Mesmo se morrerem sem nunca se reencontrar, após se separarem. Haverá, na memória, uma constante reelaboração. Ela com frequência se faz sem que percebamos. É aquela frase, é aquele gosto, é aquele lugar, é aquele gesto, aquela foto…
O ajuste de contas, dentro e fora de uma relação, não tem fim.
Toda vez que dizemos “sim” para o Outro e o convidamos a fazer parte da nossa vida, assumimos uma profunda responsabilidade. O problema é que nunca sabemos bem como lidar com esta responsabilidade. Como poderíamos saber, se a arte de lidar com nós mesmos, com nossos desejos e medos, sempre será incompleta? Aí está o risco e a beleza do amor, também: mal sei de Mim, quanto mais do Outro.
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Mas agora, vamos dobrar mais uma esquina do labirinto. Lá está o espelho, para o qual não deixamos de olhar. Em alta velocidade, ele se move em direção ao infinito, e “fuga” é a principal imagem, a mais bela, que ele produz sobre nós.
Para 2025, vale a pena você se perguntar: eu quero uma vida interessante? Uma vida interessante implica na chance do sofrimento. No risco. Em muitos prazeres e angústias, às vezes dentro de um único momento. Uma vida interessante tem saltos e terríveis quedas. Uma vida segura, por outro lado, está sob controle. Segurança é muito importante, desde que ela não nos roube o sabor.
C.
Adorei o texto. Concordo com você, amor é trabalho, compromisso e escolha. Uma escolha que precisa ser feita todos os dias de novo, quando você vive junto com alguém!
tão bonitos esses fragmentos ❤️