A visita das bruxas
Neste dia do Halloween, uma breve reflexão sobre uma memória da minha infância.

Das várias datas festivas do nosso calendário, o Dia das Bruxas sempre foi uma das que mais gostei.
Aqui nesta newsletter, escrevi, há mais ou menos um ano, sobre meu amor pelo Halloween em uma postagem na qual também comento a série de horror da Netflix A queda da casa de Usher, inspirada na obra de Edgar Allan Poe.
Quero só complementar, em relação ao texto de 2023, o quanto nas investigações feitas por mim de memórias da infância, durante minhas sessões de terapia, me veio à mente algo que pode parcialmente “explicar” meu gosto por tudo que é do trevoso. É que eu cresci numa época na qual Campina Grande sofria, com certa frequência, de apagões. Estou falando do fim dos anos 80 e da década de 90.
Os apagões na minha cidade natal foram com frequência acompanhados de temporais terríveis, atravessados por relâmpagos e trovões. Com as mudanças climáticas, não sei bem como se comportam as chuvas hoje (parei de morar lá a partir do ano 2000, quando me mudei para o Recife). Sei, por outro lado, que apagões são bem menos frequentes hoje em dia.
Nas minhas lembranças, recordo de longas noites chuvosas à luz das velas. Chuvas espessas, chuvas exuberantes. Eu temia os relâmpagos, os trovões e a escuridão, ao mesmo tempo em que admirava a sua beleza. A tempestade me dizia algo bonito e selvagem, algo sobre o qual eu ainda não tenho uma linguagem precisa para expressar.
São vívidas as cenas da casa dos meus pais à luz de velas. Me fascinavam tanto as chamas das velas, quanto o claro-escuro que elas produziam no espaço ao meu redor. Minha infância, nas noites de apagão, se transformava em uma vivência onírica e misteriosa.
Ainda no contexto da terapia, tenho trabalhado sobre uma imagem, uma hipótese que tenho esboçado a respeito da minha caminhada nos últimos anos. A imagem é a de ter, dentro da gente, um menino, ou uma menina. Ou seja: ainda somos a nossa infância. Nada de novo, ou original nesta percepção, já que ela é uma das bases da psicanálise. De qualquer modo, esta é a minha forma de me apropriar deste saber: narrando visualmente. Enxergando a criança, preciso lidar com ela. Entender suas brincadeiras, seus afetos, sua visão das coisas.
O menino que eu fui nunca deixará de seguir ao meu lado. O quanto, porém, ele rege minhas escolhas? O quanto é a criança, e não o adulto, que me conduz? O que a criança quer?
Entender quando devo entregar as rédeas ao menino, e quando o adulto deve retomá-las, que se constitui a metáfora do que tenho trabalhado nesta minha jornada de entendimento não só de mim, mas de como agem e reagem as pessoas com quem convivi, ou com quem me relacionei amorosamente.
Engraçado o quanto a imagem do menino/menina é central no meu próximo livro de ficção. Uma das minhas personagens alcança, com consequências perigosas, por exemplo, a menina que rege seu próprio destino. Esta é, porém, uma conversa para quando [TÍTULO DO ROMANCE CENSURADO PARA OS LEITORES DESTA NEWSLETTER] for lançado em 2025 ou 2026.
Espero que a semana do Dia das Bruxas esteja bem legal para vocês. Entraram no clima através de filmes, ou de leituras, por exemplo? Me contem nos comentários e continuamos a conversar.
C.
Eu gostei muito deste filme! Deverei gostar do livro também.
Vez ou outra abraço meu eu menino que me habita, que me acompanha e que me trouxe até aqui, onde estou. É um processo de perdão e acolhimento.
É bonito quando a gente percebe tudo isso e que bom que sua terapia tem avançado tão bem.
Um abraço.