A festa literária da Biblioteca Mário de Andrade
Compartilho com vocês as impressões da minha mesa com Santiago Nazarian e faço dois convites para meus próximos eventos.
Queridas leitoras e leitores: semana passada, aconteceu um dos dos eventos literários dos quais mais gosto aqui em São Paulo.
Me refiro ao Festival Mário de Andrade, em sua quarta edição, promovido pela Biblioteca Mário de Andrade, localizada no centro de São Paulo.
Gostei bastante quando soube que o festival homenagearia os 100 anos do movimento surrealista. Dentre todas as vanguardas, não há dúvidas de que o surrealismo não só é a minha preferida, como é também um dos movimentos artísticos que mais influencia meu trabalho como escritor.
Na minha mesa na Mário, uma pergunta a respeito surgiu: qual era a relação da gente, minha e a de Nazarian, com o surrealismo? Eu disse que mesmo que eu não gostasse do surrealismo, seria difícil, diante da arte que eu produzo, escapar dele.
Eu chamei o surrealismo de a Mãe de Todos os Monstros do século XX, no sentido de que muitas das grandes obras do fantástico, ou simplesmente as obras bem estranhas, têm sua dívida com o espaço de liberdade que o surrealismo trouxe para as artes. Penso em um autor absolutamente genial, que comecei a ler esse ano: o romeno Max Blecher. Um dos nomes importantes do modernismo do seu país, Blecher foi uma das leituras de 2023-2024 que mais me encantou. Sua obra esquisita, erótica, poética, deve muito aos sonhos estéticos do surrealismo.
Ano passado, quando fiz meu pós-doc nos EUA, fui algumas vezes ao MoMA, em New York. No acervo permanente existe uma “sala surrealista” com trabalhos de Magritte e Frida Kahlo, por exemplo. Fui três vezes ao MoMA e em todas elas sempre fiz questão de dedicar um tempo a esta sala. Eu me sentia voltando para casa, de alguma maneira.

Acho que a programação da Mário, que vai além da literatura, envolvendo artes visuais, performance, música e teatro, estava muito boa, com a única ressalva de que a programação completa foi divulgada um tanto em cima da hora. Foi também bacana dividir a mesa com Santiago Nazarian, autor com o qual eu não fazia eventos há no mínimo 15 anos (sim, 15 anos! Estamos nessa estrada faz um tempão; ele, desde cedo em editoras maiores e eu há quase duas décadas na cena independente primeiro do Recife, depois de São Paulo). Nossa mesa, muito bem mediada pela especialista em cinema Laura Cánepa, teve um espaço salutar para discordância, pois eu e Santiago muitas vezes pensamos por ângulos diferentes algumas problemáticas atuais da literatura contemporânea. Eu tendo, por exemplo, a ser mais otimista do que ele; por outro lado, convergimos com nosso pessimismo em relação ao papel atual das mídias sociais no campo da cultura e da política.
Um amigo meu, que viu a mesa, pontuou a existência da mera discordância nela, observando não só o quanto isso seria positivo, mas também o quanto seria raro. Fiquei pensando a respeito… Eu vejo eventos literários em primeiro lugar como um lugar de entretenimento. Eles não elegerão presidentes, não mudarão o mundo de forma direta, não mudarão o rumo da política atual. Também não encaro os eventos literários como espaço para debates aprofundados. Este lugar, o do aprofundamento, deveria ser o do jornalismo cultural, por um lado, e o da universidade, por outro. Mas concordo que muitos eventos têm jogado seguro em temas repetitivos e consensuais e que nós autores temos hesitado em aprofundar um possível debate de ideias. Neste debate, a divergência precisar estar presente.
Para que servem, então, Cristhiano, estes eventos? Para além da questão de sobrevivência financeira, pois a maior parte deles paga cachê para nós autores (e nós somos os artistas mais baratos que você pode contratar), ou de visibilidade, para que continuar aceitando estes convites? Horas depois que a minha mesa da Mário terminou, e logo após eu ter jantado com um amigo da época da escola, que estava visitando São Paulo e que assistiu à minha mesa, fiquei pendurado na minha rede pensando sobre essas questões todas.
Na rede, me balançando na escuridão da madrugada, fiquei pensando o quanto é preciso lidar com o Estar-Só. E a nossa profissão, a de escritor/escritora, é definida como uma das carreiras mais solitárias no universo das artes. Não deixo de concordar, porém me surpreendo o quanto a solidão, profundamente necessária e nem sempre compreendida, é só um aspecto da criação literária.
Como pode existir literatura sem o olhar do Outro? Não existe carreira literária se os manuscritos estão na gaveta. A vida pública, ler e ser lido, encontrar e reencontrar, tudo isso é tão essencial para o literário quanto a silenciosa introspecção que dá nascimento a um conto, a um poema, a um capítulo de um romance. Um livro, além do mais, é quase sempre uma produção coletiva. Embora meu nome vá impresso na capa dos meus, por ele passaram editores, preparadores de originais, diagramadores, revisores, capistas… Ao redor do meu livro, assinados ou não, estão textos nas orelhas ou na quarta capa. Percebamos: quantos vozes atravessam as tramas silentes de uma página!
Às vezes, no caso dos eventos, essas vozes são conversas à distância, através de eventos online, mas elas também se transformam em corpos e em presenças. E este encontro é uma doação em mão dupla: de si e do Outro. Isso me parece um privilégio, isso me parece até mesmo fundamental em tempos como os nossos.
Lançamento da antologia Árido - 29/11
No dia 29/11, na Livraria da Vila da Fradique, aqui em São Paulo, às 19h, será lançada a Árido: histórias de outras vidas secas, publicada pela editora Rocco. Como já falei por aqui, sou um dos autores da antologia, que faz uma homenagem ao romance Vidas Secas. No meu conto, “O sítio ruim”, eu reimagino o que aconteceria com a descendência de Fabiano e Sinhá Vitória caso Fabiano tivesse (supostamente) feito um pacto com o diabo. O conto se passa no Recife contemporâneo e é protagonizado por uma personagem em transição de gênero. Este é um dos contos que publiquei recentemente que mais me encheu de orgulho e ainda quero contar os bastidores da escrita dele aqui pra vocês. O lançamento da Árido aqui em São Paulo contará com a presença de Tanto Tupiassu e José Falero, ambos autores da antologia. No dia 06/12, às 18:30, na livraria Travessia, estarei em Belém com Tanto Tupiassu para fazer o lançamento por lá. Sei que tenho leitores do Pará, então será um prazer encontrar vocês!
Encruzilhadas literárias no Sul-Global: Brasil e países árabes - 27/11
Antes do lançamento da Árido, no dia 27/11, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, aqui em São Paulo, vou participar do ciclo de debates Encruzilhadas literárias no Sul-Global: Brasil e países árabes. O tema da minha mesa será Entre o noir e o gótico: o horror às claras - Centro de Pesquisa e Formação do Sesc. Estarei acompanhado de Felipe Benjamim Francisco e de Jemima Alves. Vamos debater as antologias noir de literatura árabe publicadas pela Editora Tabla: Marrakesh Noir e Bagdá Noir. O evento é presencial e gratuito. Vamos nos encontrar lá e pensar essas pontes entre a literatura brasileira e a literatura árabe?
Para continuar a conversa, pergunto a vocês: qual tem sido a impressão de vocês dos eventos literários de anos recentes? Seja participando como autores, ou como público? Próxima semana, quero falar um pouco sobre a mais recente pesquisa sobre leitura e como isso afeta a carreira de um escritor e de uma escritora.
Um ótimo final de semana! #sextou
C.
Foi bom conseguir assistir ao início da mesa (e tive que sair por compromisso de pesquisa, rs). Lindo ver a sala cheia para conversar sobre os temas
A mesa foi muito legal, trouxe questões interessantes pra pensar, tanto como leitora quanto como escritora.