Linguagem Guilhotina #13 (V.2) - Minha entrevista na Cajueira + Dalton Trevisan + Booktubers
Esta edição da newsletter vai interessar mais quem acompanha meu trabalho como escritor para além desta Linguagem Guilhotina. Compartilho com vocês trechos da entrevista que dei para Mariama Correia, da incrível rede
. E também notícias sobre o que falei a respeito de Dalton Trevisan e de booktubers.Cajueira - Góticos Nordestinos
Eu leio a Cajueira há muito tempo, então foi com alegria que recebi o convite de Mariama, uma das suas fundadoras, para conceder essa entrevista. Fiquei ainda mais animado quando ela propôs que a entrevista fosse ao vivo e não por e-mail, como geralmente acontece no jornalismo que cobre literatura. Tive uma conversa animada com Mariama na padaria Santiago, na Maria Antônia, e falamos sobre nossas vivências de ex-crentes, bem como sobre términos de relacionamentos, sermos nordestinos em São Paulo e as saudades do São João. Em seguida, aí começou a entrevista propriamente dita. Parte dela saiu na newsletter da Cajueira, porém a versão integral dela vocês podem ler aqui:
Link entrevista integral concedida para Mariama.
🎤 Dois trechos da minha entrevista:
“Gótico Nordestino” foi lançado na pandemia. Era uma reflexão sobre os medos desse momento?
A pandemia foi realmente esse start de, tipo, todos esses medos e essa busca por sobreviver. Nesse sentido, ele é um livro pandêmico. E do início ao fim, ele comenta a política, a ascensão da extrema direita. Mas eu tive uma percepção muito recente, de que tenho usado muito a estética do horror para dar conta de traumas na minha vida pessoal.
No livro tem um trauma coletivo da pandemia. E tem o fato do adoecimento e da vida terminal do meu avô, que acabaria morrendo depois. Ao longo do processo de escrita, um dos meus melhores amigos morreu, inclusive dedico o livro à memória dele. Então, hoje eu vejo que o tom do livro é de alguém que estava elaborando um luto.
Do que você tem medo hoje?
Eu não gosto de olhar pra mim mesmo. Eu tenho medo da minha própria imagem refletida, da minha imagem multiplicada. Meio vampiro, assim. O vampiro de Bodocongó (risos), mas eu gosto de alho.
Eu acho que tenho medo também da perda de mim mesmo. Da dissolução de mim. Eu descobri recentemente que talvez tenha medo da loucura, do enlouquecer. Eu tenho medo de beterraba também (risos). Eu abomino beterraba. É o meu alho, talvez. Vampiros modernos não gostam de beterraba.
Dalton Trevisan: 99 anos
Agora em junho Dalton Trevisan fez 99 anos. Sua longevidade não é só física: Trevisan, um dos criadores do conto contemporâneo brasileiro, é o criador de uma obra que só fica mais relevante com o passar do tempo. Para comemorar a efemêride, a revista literária Pernambuco convidou uma série de escritores para dar um depoimento sobre sua obra. Reproduzo abaixo o que escrevi para a jornalista Débora Nascimento e que saiu parcialmente publicado no site da revista:
“Na minha infância, um dia eu peguei na estante da casa dos meus avós um livro que me perturbou demais. Se chamava O vampiro de Curitiba, de Dalton Trevisan. Devorei o livro, embora tenha entendido muito pouco dele. Eu fui uma criança criada em um lar rigorosamente protestante e lembro de me chocar com a brutalidade e o erotismo do livro (além de tudo, sem dúvidas, eu não estava na idade certa para ler aqueles contos). Anos depois, estudante de Direito da UFPE, reencontrei a prosa de Dalton Trevisan em outra obra-prima, o livro Cemitério de Elefantes. Me apaixonei profundamente por aquele universo sórdido e sufocante, escrito, sem concessões, através de uma linguagem-lâmina. Aquela criança e o jovem acadêmico, que pouco depois abandonaria a possibilidade de carreira jurídica, tinham um sonho em comum: virarem escritores. Pois bem, a leitura da obra de Dalton Trevisan reconfigurou completamente minha visão do que poderia ser a escrita da ficção.
Dalton Trevisan foi minha porta de entrada, percebo hoje, para a contemporaneidade na literatura. Não se trata somente de uma experiência minha, porque considero que sua obra é um dos marcos que estabelece o próprio conceito de ficção brasileira contemporânea. Desde os anos 60, Trevisan ajuda a renovar a nossa prosa e a encerrar o fecundo ciclo do modernismo brasileiro. Em certo momento da minha escrita, precisei, de tanto que sua concisão cortava minhas palavras, repudiar e deixar de ler seus contos. Hoje, sinto que estou preparado para voltar a lê-lo, porque sua obra continua vital para entender a vida cotidiana brasileira e o império do desejo sobre nossos corpos e almas.”
Booktubers e o discurso da crítica literária
Não dou muitas notícias por aqui da minha produção e atividades como professor universitário, com exceção dos relatos que escrevi na Linguagem Guilhotina sobre minha vida em Princeton durante meu pós-doc. Acho que vale a pena volta e meia divulgar algo disso com vocês.
Organizei, em parceria com meus amigos e professores Eduardo Cesar Maia e Juliana de Albuquerque, um dossiê sobre crítica literária na contemporaneidade para a revista Todas as Letras, publicada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras do Mackenzie. O discurso de crítica foi já objeto de pesquisa acadêmica minha e rendeu a coordenação de simpósios sobre o tema em três Abralic, um dos mais importantes congressos na área dos estudos literários, bem como uma série de publicações acadêmicas. Creio que o dossiê da Todas as Letras é um ponto de chegada temporário para anos de meu trabalho na área da pesquisa sobre crítica.
Hoje, pensar o discurso da crítica continua a ser uma das minhas preocupações, embora eu não me veja mais publicando sobre o tema, ou desenvolvendo projetos de pesquisa na área. Mas adoraria orientar algum mestrado ou doutorado sobre, sem dúvidas. Uma dimensão curiosa para mim é ter sido, desde 2022, objeto de intensa construção crítica devido à repercussão bem significativa do meu Gótico Nordestino. É curioso estar “do outro lado do balcão”, como gosto de dizer a respeito desta situação.
O que eu faço com a crítica sobre meu trabalho? Aprendo, me divirto, me surpreendo e, em alguns casos, sinceramente, lamento (nessas horas, digo pra mim mesmo “minha nossa, essa pessoa tem um doutorado em Letras e simplesmente não sabe ler”). Nunca, contudo, dei uma “carteirada” de suposto especialista no tema como forma de me blindar de críticas. Nunca, também, respondi a uma crítica desfavorável, por mais injusta que ela tenha sido.
Meu artigo no dossiê que organizei fala sobre possíveis convergências entre o discurso crítico sobre livros produzido no YouTube e o discurso crítico da crítica dos rodapés de jornais da primeira metade do século XX. É um texto que ficou num limbo editorial durante mais de quatro anos e fico feliz de finalmente conseguir publicá-lo.
Quer ler meu artigo e os demais do dossiê? Clica aqui:
https://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/tl/article/view/16848/12377
Por hoje, pessoal, é só. Estou entrando de férias e mergulhando nos freelas e na finalização de mais uma revisão do meu romance. Próximos dias passarei o final das festas juninas no nordeste e estou muito animado com isso. Certamente vou escrever a respeito da viagem por aqui. Quero dar umas sumidas de São Paulo ao longo de julho em algum rolê que envolva vinhos, espero que eu consiga.
Até a próxima!
C.
A entrevista ficou ótima! E muito legal a pesquisa 🧡
Aproveite o São João por mim... mais um ano sem São João!